FAÇA AS SUAS CONQUISTAS PARECEREM
FÁCEIS
Seus atos devem parecer
naturais e fáceis. Toda a técnica e o esforço necessários para sua execução, e
também os truques, devem estar dissimulados. Quando você age, age sem se
esforçar, como se fosse capaz de muito mais. Não caia na tentação de revelar o
trabalho que você teve – isso só despertará dúvidas. Não ensine a ninguém os
seus truques ou eles serão usados contra você.
Como uma pessoa de poder,
você deve pesquisar e praticar exaustivamente antes de aparecer em público, no
palco ou outro lugar qualquer. Jamais exponha o suor e o esforço por trás da
sua pose. Há pessoas que pensam que essa exposição mostrará que são honestas e
diligentes, mas na verdade só parecerão mais fracas — como se bastasse a
prática e o esforço para qualquer um fazer o que elas fizeram, ou como se não
estivessem à altura da tarefa. Guarde para você o seu esforço e os seus
truques, e parecerá ter a graça e a facilidade de um deus. Ninguém jamais vê
revelada a origem do poder divino; só se vê os seus efeitos.
A humanidade teve as suas
primeiras noções de poder com os primitivos confrontos com a natureza — um
relâmpago riscando o céu, uma súbita enchente, a rapidez e ferocidade de um
animal selvagem. Estas forças não exigiam pensamento, nem planejamento — elas
nos assombravam com sua repentina aparição, sua graciosidade, e seu poder sobre
a vida e a morte. E este continua sendo o tipo de poder que estamos sempre
querendo imitar. Usando a ciência e a tecnologia recriamos a velocidade e o
poder sublime da natureza, mas falta alguma coisa: nossas máquinas são
barulhentas e desajeitadas, elas revelam o esforço que fazem. Até as melhores
criações da tecnologia não anulam a nossa admiração por coisas que se movem
rápida e facilmente. O poder que as crianças têm de nos fazer ceder às suas
vontades vem de um tipo de encanto sedutor que sentimos na presença de uma
criatura menos reflexiva e mais graciosa do que nós. Não podemos voltar a esse
estado, mas se pudermos criar a aparência deste tipo de facilidade,
despertaremos nos outros a reverência primitiva que a natureza sempre evocou na
humanidade.
Um dos primeiros escritores
europeus a expor este princípio vinha de um dos ambientes mais antinaturais, a
corte renascentista. Em O livro do cortesão, publicado em 1528, Baldassare
Castiglione descreve os modos altamente elaborados e sofisticados do perfeito
cidadão palaciano. E no entanto, explica Castiglione, o cortesão deve executar
esses gestos com o que ele chama de sprezzatura, a capacidade de fazer o
que é difícil parecer fácil. Ele recomenda ao cortesão que “pratique em tudo um
certo descaso que dissimula o talento artístico e torna o que se diz e o que se
faz aparentemente natural e fácil”. Todos nós admiramos a realização de algum
feito extraordinário, mas se ele for natural e gracioso nossa admiração é dez
vezes maior — “enquanto (...) esforçar-se no que está fazendo e (...) não fazer
mistério disso revela uma extrema falta de graça e faz com que tudo, não
importa o seu valor, tenha um desconto”.
A idéia de sprezzatura
vem principalmente do mundo da arte. Todos os grandes artistas do Renascimento
mantinham suas obras cuidadosamente em sigilo. Só depois de terminada, a obra-prima era
mostrada ao público. Michelangelo proibia até os papas de verem o seu trabalho em andamento. O artista
renascentista tinha sempre o cuidado de fechar a porta de seus estúdios, seja
para os patronos como para o público em geral, não por medo de imitações, mas
porque a feitura da obra prejudicaria a magia do efeito, e a sua estudada
atmosfera de beleza fácil e natural.
O pintor renascentista
Vasari, que foi também o primeiro grande crítico de arte, ridicularizava as
obras de Paolo Uccello, obcecado com as leis de perspectiva. O esforço de
Uccello para melhorar a aparência de perspectiva era óbvio demais nas suas
obras — suas pinturas ficavam feias e elaboradas, sobrecarregadas com o esforço
que ele fazia para conseguir os efeitos que desejava. Reagimos da mesma forma
quando vemos artistas representando de uma forma muito exagerada: o excesso de
esforço desfaz a ilusão. Também nos deixa constrangidos. Os artistas calmos e
graciosos, por sua vez, nos deixam à vontade, dando a ilusão de naturalidade e
de serem eles mesmos, mesmo se tudo que eles fazem implique muito trabalho e
prática.
A idéia de sprezzatura
é relevante em todas as formas de poder, pois o poder depende vitalmente das
aparências e das ilusões que você cria. Suas ações em público são como obras de
arte: devem agradar aos olhos, criar expectativas, até divertir. Quando você
revela o esforço da sua criação, torna-se mais um mortal entre tantos outros. O
que é compreensível não inspira respeito — achamos que poderíamos fazer igual
se também tivéssemos tempo e dinheiro. Evite a tentação de mostrar como você é
brilhante —você é mais esperto ocultando os mecanismos do seu brilhantismo.
Ao aplicar este conceito à
sua vida diária, Talleyrand ampliou muito a sua aura de poder. Nunca lhe
agradou trabalhar demais, portanto fazia os outros trabalharem por ele — espionando,
pesquisando, fazendo minuciosas análises. Com tanta força disponível, ele mesmo
nunca parecia se cansar. Quando seus espiões revelavam que uma determinada
coisa estava para acontecer, ele a comentava socialmente como se estivesse
sentindo essa iminência. Conseqüentemente as pessoas achavam que ele era
clarividente. Suas declarações medulares e sua espirituosidade pareciam sempre
resumir uma situação perfeitamente, mas estavam baseadas em muita pesquisa e
raciocínio. Para quem estava no governo, inclusive o próprio Napoleão,
Talleyrand dava a impressão de um poder imenso — efeito que dependia totalmente
da aparente facilidade com que ele realizava suas proezas.
Existe um outro motivo para
esconder seus atalhos e truques: se você deixa vazar essas informações, estará
dando aos outros idéias que poderão usar contra você. Você perde o benefício do
silêncio. Tendemos a querer que o mundo saiba o que fizemos — queremos
recompensar a nossa vaidade conquistando aplausos por nosso esforço e
brilhantismo, e até mesmo queremos simpatia pelas horas que levamos para fazer
a nossa obra-prima. Aprenda a controlar esta tendência a dar com a língua nos
dentes, pois o seu efeito será quase sempre o oposto do esperado. Lembre-se:
quanto mais misteriosas as suas ações, maior será o seu poder. Você fica
parecendo a única pessoa capaz de fazer o que você faz — e a aparência de ser
possuidor de um talento exclusivo tem um poder imenso. Finalmente, como você
consegue as coisas com graça e facilidade, as pessoas acham sempre que,
esforçando-se, você poderia fazer mais. Isto desperta não só admiração, como um
certo temor. Seus poderes são ilimitados — ninguém sabe até onde eles chegarão.
Qualquer ação [indiferença],
por mais banal que seja, não só revela a habilidade da pessoa mas também, com
muita freqüência, a faz ser considerada maior do que é na realidade. Isto
porque leva os observadores a acreditar que o homem que faz as coisas tão
facilmente deve ser mais hábil do que é na verdade.
Baldassare Castiglione,
1478-1529
Um verso [de um poema] nos
tomará uma hora, talvez; Mas se não parecer a idéia de um momento, O nosso
coser e descoser terá sido inútil.
Adam’s
Curse, William Butler Yeats, 1865-1939
Não deixe que ninguém saiba
exatamente do que você é capaz. O homem sábio não permite a ninguém sondar
fundo os seus conhecimentos e as suas habilidades, se quiser ser respeitado por
todos. Ele permite que sejam conhecidos, mas não que sejam compreendidos.
Ninguém deve conhecer a extensão das suas habilidades, para não se desapontar.
A ninguém ele dá oportunidade de compreendê-las totalmente. Pois suposições e
dúvidas quanto a extensão dos seus talentos evocam mais respeito do que saber
precisamente até onde eles vão, para que sejam sempre excelentes.
Baltazar Gracián 1601-1658
O sábio não diz o que sabe,
o tolo não sabe o que diz
Provérbio Chinês
O INVERSO
O sigilo com que você
envolve suas ações deve aparentar despreocupação. O zelo em esconder o seu
trabalho cria uma impressão desagradável, quase paranóica: você está levando o
jogo muito a sério. Houdini tinha o cuidado de fazer o mistério dos seus
truques parecer um jogo, tudo era parte do espetáculo. Não mostre o seu
trabalho antes de terminá-lo, mas se você se esforçar demais para escondê-lo
acabará como o um louco,
Mantenha o seu bom humor.
Há momentos também em que
vale a pena revelar o esforço dos seus projetos. Tudo depende do gosto da sua
platéia, e da época em que você opera. P.T. Barnum percebeu que o público
queria participar dos seus espetáculos e adorava entender os seus truques, em
parte, talvez, porque ao espírito democrático americano agradasse desmascarar
implicitamente quem ocultava das massas a origem do seu poder. O público também
apreciava o humor e a honestidade do show-man. Barnum chegou ao exagero de
publicar as suas próprias mistificações na sua popular autobiografia, escrita
no auge da carreira.
Desde que a revelação
parcial de truques e técnicas seja cuidadosamente planejada e não resulte de
uma necessidade incontrolável de dar com a língua nos dentes, é o máximo da
esperteza. Dá à platéia a ilusão de ser superior e de participar, mesmo que
grande parte do que você faz ninguém veja.
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