quarta-feira, 31 de outubro de 2012

CAPÍTULO 30 LEI 30




FAÇA AS SUAS CONQUISTAS PARECEREM FÁCEIS


Seus atos devem parecer naturais e fáceis. Toda a técnica e o esforço necessários para sua execução, e também os truques, devem estar dissimulados. Quando você age, age sem se esforçar, como se fosse capaz de muito mais. Não caia na tentação de revelar o trabalho que você teve – isso só despertará dúvidas. Não ensine a ninguém os seus truques ou eles serão usados contra você.
Como uma pessoa de poder, você deve pesquisar e praticar exaustivamente antes de aparecer em público, no palco ou outro lugar qualquer. Jamais exponha o suor e o esforço por trás da sua pose. Há pessoas que pensam que essa exposição mostrará que são honestas e diligentes, mas na verdade só parecerão mais fracas — como se bastasse a prática e o esforço para qualquer um fazer o que elas fizeram, ou como se não estivessem à altura da tarefa. Guarde para você o seu esforço e os seus truques, e parecerá ter a graça e a facilidade de um deus. Ninguém jamais vê revelada a origem do poder divino; só se vê os seus efeitos.
A humanidade teve as suas primeiras noções de poder com os primitivos confrontos com a natureza — um relâmpago riscando o céu, uma súbita enchente, a rapidez e ferocidade de um animal selvagem. Estas forças não exigiam pensamento, nem planejamento — elas nos assombravam com sua repentina aparição, sua graciosidade, e seu poder sobre a vida e a morte. E este continua sendo o tipo de poder que estamos sempre querendo imitar. Usando a ciência e a tecnologia recriamos a velocidade e o poder sublime da natureza, mas falta alguma coisa: nossas máquinas são barulhentas e desajeitadas, elas revelam o esforço que fazem. Até as melhores criações da tecnologia não anulam a nossa admiração por coisas que se movem rápida e facilmente. O poder que as crianças têm de nos fazer ceder às suas vontades vem de um tipo de encanto sedutor que sentimos na presença de uma criatura menos reflexiva e mais graciosa do que nós. Não podemos voltar a esse estado, mas se pudermos criar a aparência deste tipo de facilidade, despertaremos nos outros a reverência primitiva que a natureza sempre evocou na humanidade.
Um dos primeiros escritores europeus a expor este princípio vinha de um dos ambientes mais antinaturais, a corte renascentista. Em O livro do cortesão, publicado em 1528, Baldassare Castiglione descreve os modos altamente elaborados e sofisticados do perfeito cidadão palaciano. E no entanto, explica Castiglione, o cortesão deve executar esses gestos com o que ele chama de sprezzatura, a capacidade de fazer o que é difícil parecer fácil. Ele recomenda ao cortesão que “pratique em tudo um certo descaso que dissimula o talento artístico e torna o que se diz e o que se faz aparentemente natural e fácil”. Todos nós admiramos a realização de algum feito extraordinário, mas se ele for natural e gracioso nossa admiração é dez vezes maior — “enquanto (...) esforçar-se no que está fazendo e (...) não fazer mistério disso revela uma extrema falta de graça e faz com que tudo, não importa o seu valor, tenha um desconto”.
A idéia de sprezzatura vem principalmente do mundo da arte. Todos os grandes artistas do Renascimento mantinham suas obras cuidadosamente em sigilo. Só depois de terminada, a obra-prima era mostrada ao público. Michelangelo proibia até os papas de verem o seu trabalho em andamento. O artista renascentista tinha sempre o cuidado de fechar a porta de seus estúdios, seja para os patronos como para o público em geral, não por medo de imitações, mas porque a feitura da obra prejudicaria a magia do efeito, e a sua estudada atmosfera de beleza fácil e natural.
O pintor renascentista Vasari, que foi também o primeiro grande crítico de arte, ridicularizava as obras de Paolo Uccello, obcecado com as leis de perspectiva. O esforço de Uccello para melhorar a aparência de perspectiva era óbvio demais nas suas obras — suas pinturas ficavam feias e elaboradas, sobrecarregadas com o esforço que ele fazia para conseguir os efeitos que desejava. Reagimos da mesma forma quando vemos artistas representando de uma forma muito exagerada: o excesso de esforço desfaz a ilusão. Também nos deixa constrangidos. Os artistas calmos e graciosos, por sua vez, nos deixam à vontade, dando a ilusão de naturalidade e de serem eles mesmos, mesmo se tudo que eles fazem implique muito trabalho e prática.
A idéia de sprezzatura é relevante em todas as formas de poder, pois o poder depende vitalmente das aparências e das ilusões que você cria. Suas ações em público são como obras de arte: devem agradar aos olhos, criar expectativas, até divertir. Quando você revela o esforço da sua criação, torna-se mais um mortal entre tantos outros. O que é compreensível não inspira respeito — achamos que poderíamos fazer igual se também tivéssemos tempo e dinheiro. Evite a tentação de mostrar como você é brilhante —você é mais esperto ocultando os mecanismos do seu brilhantismo.
Ao aplicar este conceito à sua vida diária, Talleyrand ampliou muito a sua aura de poder. Nunca lhe agradou trabalhar demais, portanto fazia os outros trabalharem por ele — espionando, pesquisando, fazendo minuciosas análises. Com tanta força disponível, ele mesmo nunca parecia se cansar. Quando seus espiões revelavam que uma determinada coisa estava para acontecer, ele a comentava socialmente como se estivesse sentindo essa iminência. Conseqüentemente as pessoas achavam que ele era clarividente. Suas declarações medulares e sua espirituosidade pareciam sempre resumir uma situação perfeitamente, mas estavam baseadas em muita pesquisa e raciocínio. Para quem estava no governo, inclusive o próprio Napoleão, Talleyrand dava a impressão de um poder imenso — efeito que dependia totalmente da aparente facilidade com que ele realizava suas proezas.
Existe um outro motivo para esconder seus atalhos e truques: se você deixa vazar essas informações, estará dando aos outros idéias que poderão usar contra você. Você perde o benefício do silêncio. Tendemos a querer que o mundo saiba o que fizemos — queremos recompensar a nossa vaidade conquistando aplausos por nosso esforço e brilhantismo, e até mesmo queremos simpatia pelas horas que levamos para fazer a nossa obra-prima. Aprenda a controlar esta tendência a dar com a língua nos dentes, pois o seu efeito será quase sempre o oposto do esperado. Lembre-se: quanto mais misteriosas as suas ações, maior será o seu poder. Você fica parecendo a única pessoa capaz de fazer o que você faz — e a aparência de ser possuidor de um talento exclusivo tem um poder imenso. Finalmente, como você consegue as coisas com graça e facilidade, as pessoas acham sempre que, esforçando-se, você poderia fazer mais. Isto desperta não só admiração, como um certo temor. Seus poderes são ilimitados — ninguém sabe até onde eles chegarão.

Qualquer ação [indiferença], por mais banal que seja, não só revela a habilidade da pessoa mas também, com muita freqüência, a faz ser considerada maior do que é na realidade. Isto porque leva os observadores a acreditar que o homem que faz as coisas tão facilmente deve ser mais hábil do que é na verdade.
Baldassare Castiglione, 1478-1529

Um verso [de um poema] nos tomará uma hora, talvez; Mas se não parecer a idéia de um momento, O nosso coser e descoser terá sido inútil.
Adam’s Curse, William Butler Yeats, 1865-1939

Não deixe que ninguém saiba exatamente do que você é capaz. O homem sábio não permite a ninguém sondar fundo os seus conhecimentos e as suas habilidades, se quiser ser respeitado por todos. Ele permite que sejam conhecidos, mas não que sejam compreendidos. Ninguém deve conhecer a extensão das suas habilidades, para não se desapontar. A ninguém ele dá oportunidade de compreendê-las totalmente. Pois suposições e dúvidas quanto a extensão dos seus talentos evocam mais respeito do que saber precisamente até onde eles vão, para que sejam sempre excelentes.
Baltazar Gracián 1601-1658

O sábio não diz o que sabe, o tolo não sabe o que diz
Provérbio Chinês

O INVERSO
O sigilo com que você envolve suas ações deve aparentar despreocupação. O zelo em esconder o seu trabalho cria uma impressão desagradável, quase paranóica: você está levando o jogo muito a sério. Houdini tinha o cuidado de fazer o mistério dos seus truques parecer um jogo, tudo era parte do espetáculo. Não mostre o seu trabalho antes de terminá-lo, mas se você se esforçar demais para escondê-lo acabará como o um louco,
Mantenha o seu bom humor.
Há momentos também em que vale a pena revelar o esforço dos seus projetos. Tudo depende do gosto da sua platéia, e da época em que você opera. P.T. Barnum percebeu que o público queria participar dos seus espetáculos e adorava entender os seus truques, em parte, talvez, porque ao espírito democrático americano agradasse desmascarar implicitamente quem ocultava das massas a origem do seu poder. O público também apreciava o humor e a honestidade do show-man. Barnum chegou ao exagero de publicar as suas próprias mistificações na sua popular autobiografia, escrita no auge da carreira.
Desde que a revelação parcial de truques e técnicas seja cuidadosamente planejada e não resulte de uma necessidade incontrolável de dar com a língua nos dentes, é o máximo da esperteza. Dá à platéia a ilusão de ser superior e de participar, mesmo que grande parte do que você faz ninguém veja.

CAPÍTULO 29 LEI 29




PLANEJE ATÉ O FIM


O desfecho é tudo. Planeje até o fim, considerando todas as possíveis conseqüências, obstáculos e reveses que possam anular o seu esforço e deixar que os outros fiquem com os louros. Planejando tudo até o fim, você não será apanhado de surpresa e saberá quando parar. Guie gentilmente a sorte e ajude a determinar o futuro pensando com antecedência.
A maioria dos homens segue o coração, não a cabeça. Seus planos são vagos e, diante de obstáculos, eles improvisam. Mas a improvisação o levará você até a próxima crise e não substitui, jamais, a previsão das próximas etapas e o planejamento até o final.
Existe um motivo muito simples para a maioria dos homens não saber quando sair do ataque. Eles não têm uma idéia concreta do seu objetivo. Obtida a vitória, eles querem mais. Parar — visar a um objetivo e não se desviar dele —parece quase inumano, de fato; porém, nada é mais importante para se manter o poder. Quem exagera nos seus triunfos cria uma reação que inevitavelmente leva a um declínio. A única solução é planejar a longo prazo. Prever o futuro com a mesma clareza dos deuses no Monte Olimpo, que vêem através das nuvens o desfecho de todas as coisas.
Segundo a cosmologia dos antigos gregos, os deuses teriam a visão total do futuro. Eles viam tudo que aconteceria, nos mínimos e intrincados detalhes. Os homens, por sua vez, eram vítimas do destino, prisioneiros do momento e das suas emoções, incapazes de ver além do perigo imediato. Heróis como Ulisses, capazes de enxergar além do presente e planejar vários passos com antecedência, pareciam desafiar o destino, aproximar-se dos deuses na sua capacidade de determinar o futuro. A comparação continua válida — quem pensa com antecedência e, pacientemente, conduz seus planos à realização parece ter um poder divino.
Como a maioria das pessoas está presa demais ao momento para planejar com este tipo de previsão, a capacidade de ignorar perigos e prazeres imediatos se traduz em poder. É o poder de ser capaz de superar a tendência natural humana de reagir às coisas conforme elas vão acontecendo, em vez de treinar dar um passo atrás, imaginar as coisas maiores tomando forma além do seu campo imediato de visão. As pessoas, na sua maioria, acreditam que têm consciência do futuro, que estão planejando e pensando com antecedência. Em geral, se iludem. Na verdade, o que elas fazem é sucumbir aos seus próprios desejos, ao que elas querem que o futuro seja. Seus planos são vagos, baseados na imaginação e não na realidade. Elas podem acreditar que estão pensando em tudo até o fim, mas estão na verdade focalizando apenas o final feliz, e se iludindo com a força do seu desejo.
Os perigos remotos, que avultam à distância - se pudermos vê-los tomando forma, quantos enganos evitaríamos. Quantos planos abortaríamos instantaneamente se percebêssemos que, evitando um pequeno perigo, só fazemos cair em outro maior. Há tanto poder, não no que você faz, mas no que você não faz — naquelas ações tolas e precipitadas de que você se abstém, antes que elas o metam em maiores confusões. Planeje todos os detalhes antes de agir — não permita que a indefinição dos seus planos lhe cause problemas. Haverá conseqüências não previstas? Surgirão novos inimigos? Alguém vai tirar proveito do meu esforço? Finais infelizes são muito mais comuns do que os felizes — não se deixe iludir pelo final feliz que você está imaginando.
As eleições de 1848 na França se resumiram a uma luta entre Louis Adolphe Thiers, o homem da ordem, e o general Louis Eugène Cavaignac, o agitador de direita. Quando Thiers percebeu que tinha ficado inevitavelmente para trás nessa corrida, procurou desesperado uma solução. Seu olhar caiu sobre Luís Bonaparte, sobrinho-neto do grande general Napoleão, e um modesto representante no parlamento. Este Bonaparte parecia meio imbecil, mas bastava o seu nome para elegê-lo num país que ansiava por um governante forte. Ele seria um marionete nas mãos de Thiers e, no final, seria empurrado para fora de cena. A primeira parte do plano funcionou perfeitamente, e Napoleão foi eleito com grande vantagem. O problema foi que Thiers não previu um fato muito simples: o “imbecil” era, na realidade, um homem de enormes ambições. Três anos depois ele dissolveu o parlamento, declarou-se imperador e governou a França por mais dezoito anos, para o horror de Thiers e o seu partido.
O desfecho é tudo. É ele que determina quem fica com a glória, o dinheiro, o prêmio. O seu desfecho deve ser cristalino, e você não deve perdê-lo de vista. Você deve também descobrir como se livrar dos abutres que ficam rondando lá em cima, tentando sobreviver das carcaças da sua criação. E você deve prever as muitas crises possíveis que o tentarão a improvisar. Bismarck venceu estes perigos porque planejou até o fim, manteve o curso em meio a todas as crises e jamais deixou que lhe roubasse a glória. Alcançado o seu objetivo, ele se encolheu como uma tartaruga no casco. Este tipo de autocontrole é divino.
Quando você prevê várias etapas com antecedência, e planeja seus movimentos até o fim, não será mais tentado pela emoção ou pelo desejo de improvisar. Sua lucidez o livrará da ansiedade e da indefinição que é a razão básica de tantos deixarem de concluir com sucesso as suas ações. Você enxerga o desfecho e não tolera desvios.




Não entrar é tão mais fácil do que ter de sair! Devemos agir ao contrário do junco que, ao primeiro despontar, lança uma haste longa e reta mas depois, como que exausto... faz vários nós densos, indicando que não possui mais o vigor e o impulso original. É melhor começar gentil e tranqüilamente, poupando o fôlego para o embate e os golpes vigorosos para concluir o nosso trabalho. No início, nós é que orientamos os negócios e os mantemos em nosso poder; mas, freqüentemente, uma vez colocados em ação, são eles que nos guiam e nos arrastam.
Montaigne, 1533-1592

Veja o desfecho, não importa o que esteja considerando. Com freqüência, Deus. permite a um homem um de felicidade para, em seguida, arruiná-lo totalmente.
As Histórias. Herodoto. Século 5 a.C.

Quem procura videntes para saber o futuro está se privando, inconscientemente, de uma sugestão interior mil vezes mais precisa do que qualquer coisa que eles possam dizer.
Walter Benjamin, 1892-1940

A experiência mostra que, prevendo com bastante antecedência os passos a serem dados, é possível agir rapidamente na hora de executá-los.
Cardeal Richelieu, 1585-1642


O INVERSO
Entre os estrategistas, já é comum a idéia de que o seu plano deve incluir alternativas e ter uma certa flexibilidade. Não há dúvida quanto a isso. Se você se prende a um plano com muita rigidez, não será capaz de lidar com as súbitas mudanças na sorte. Depois de examinar as possibilidades futuras e decidir qual é a sua meta, você deve aumentar as alternativas e estar aberto a novos caminhos para chegar até lá.
A maioria das pessoas, no entanto, perde menos com o excesso de planejamento e rigidez do que com a indefinição e a tendência a improvisar constantemente diante das circunstâncias. Portanto, não há motivo para se cogitar no inverso desta Lei, pois nada se ganha recusando-se a pensar no futuro e planejar tudo até o fim. Pensando com bastante clareza e antecedência, você verá que o futuro é incerto e que deve estar disposto a fazer adaptações. Só um objetivo claro e um plano de longo alcance lhe dará essa liberdade.


CAPÍTULO 28 LEI 28



SEJA OUSADO


Inseguro quanto ao que fazer, não tente. Suas dúvidas e hesitações contaminarão os seus atos. A timidez é perigosa: melhor agir com coragem. Qualquer erro cometido com ousadia é facilmente corrigido com mais ousadia. Todos admiram o corajoso, ninguém louva o tímido.

AUDÁCIA E HESITAÇÃO: Uma Breve Comparação Psicológica
Audácia e hesitação despertam reações psicológicas diferentes em seus alvos: a hesitação coloca obstáculos no seu caminho, a audácia os elimina. Quando você compreender isso, verá que é essencial superar a sua timidez natural e praticar a arte da ousadia. Estes são alguns dos efeitos psicológicos mais pronunciados da audácia e a timidez.
A Mentira Quanto Mais Ousada Melhor. Todos nós temos fraquezas e nossos esforços nunca são perfeitos. Mas agir com audácia tem a magia de ocultar nossas deficiências. Os trapaceiros sabem que, quanto maior a ousadia de uma mentira, mais convincente ela é. A audácia descarada torna a história mais verídica, distraindo a atenção das suas incoerências. Ao colocar em prática uma trapaça ou participar de algum tipo de negociação, vá mais longe do que planejou. Peça a lua e ficará surpreso com a freqüência com que a terá.
Os Leões Rodeiam a Presa Hesitante. As pessoas têm um sexto sentido para as fraquezas alheias. Se, num primeiro encontro, você demonstra a sua disposição de se comprometer, de ceder e se retrair, você desperta o leão até nas pessoas que não estão necessariamente sedentas de sangue. Tudo depende da percepção, e depois de visto como aquele tipo que rapidamente se coloca na defensiva, que está disposto a negociar e ser dócil, você vai ser controlado sem misericórdia.
Coragem Lembra Medo; Medo Lembra Autoridade. Um movimento corajoso faz você parecer maior e mais poderoso do que é. Se for repentino, com a velocidade e a dissimulação de uma serpente, inspira medo ainda maior. Ao intimidar com um movimento corajoso, você estabelece um precedente; nos próximos encontros, as pessoas ficarão na defensiva, com terror de um novo ataque.
Fazendo as Coisas Pela Metade e de Modo Desanimado Você Cava Mais Fundo a Sua Sepultura. Se você começa a agir sem estar totalmente confiante, estará colocando obstáculos no seu próprio caminho. Se surgir um problema você ficará confuso, vendo opções onde elas não existem e criando, sem perceber, mais problemas ainda. Recuando diante do caçador, a lebre tímida cai mais rapidamente nas suas armadilhas.
A Hesitação Cria Lacunas, a Coragem as Desfaz. Quando você pára para pensar, quando você hesita, cria uma lacuna que dá aos outros tempo para pensar também. Sua timidez contagia as pessoas com uma estranha energia, criando constrangimento. A dúvida surge de todos os lados.
A coragem desfaz essas lacunas. A rapidez de movimento e a energia da ação não dão aos outros espaço para dúvidas e preocupações. Na sedução, a hesitação é fatal — faz a sua vítima ter consciência das suas intenções. O movimento corajoso coroa de triunfo a sedução: não dá tempo para reflexões.
A Audácia Distingue Você do Rebanho. A coragem lhe dá presença e o faz parecer maior. O tímido se mistura com o papel de parede, o corajoso chama atenção, e o que chama atenção atrai poder. E impossível desviar o olhar do audacioso — ficamos ansiosos para ver qual será o seu próximo movimento.
O desmesurado engana o olho humano. Distrai e nos assombra, e é tão evidente que não podemos imaginar que exista ali qualquer ilusão ou fraude. Arme-se de grandeza e coragem — estique as suas fraudes até onde puder, depois continue esticando. Se sentir que o otário desconfia, faça como o intrépido Lustig: em vez de recuar, ou baixar o preço, ele simplesmente o aumentou, pedindo e conseguindo um suborno. Pedindo mais você coloca a outra pessoa na defensiva, você corta o efeito prejudicial do compromisso e da dúvida, e a vence com a sua coragem.
O mundo está cheio de homens que desprezam você, que temem a sua ambição e protegem ciumentamente as suas áreas cada vez menores de poder. Você deve estabelecer a sua autoridade e conquistar o respeito, mas assim que os seus inimigos perceberem a sua crescente audácia, vão agir para contrariar você.
Negocie com um inimigo e você estará lhe dando oportunidades. Um pequeno compromisso torna-se o ponto de apoio para acabar com você. Um súbito movimento audacioso, sem discussões ou avisos, desfaz esses pontos de apoio, e aumenta a sua autoridade. Você aterroriza os que duvidam e desprezam e conquista a confiança dos muitos que admiram e glorificam quem tem coragem. medo dos grandes, desde o rei da França até o imperador dos Habsburgo.
Quanto maior o alvo, mais atenção você chama. Quanto mais corajoso o ataque, mas você se distingue na multidão, e mais admirado será. A sociedade está repleta de gente com idéias ousadas, mas sem estômago para imprimi-las e publicá-las. Dê voz ao sentimento do público — a expressão de sentimentos em comum é sempre poderosa. Procure o alvo mais evidente possível, e dê o seu tiro mais audacioso. O mundo gostará do espetáculo, e você dará ao pobre-diabo - isto é, você - glória e poder, vida ou morte.
Você deve praticar e desenvolver a sua ousadia. Encontrará freqüentemente ocasiões para usá-la. O melhor lugar para começar quase sempre é o delicado mundo das negociações, particularmente aquelas discussões em que lhe pedem para fixar o seu próprio preço. Quantas vezes nos desvalorizamos pedindo muito pouco? Quando Cristóvão Colombo propôs que os espanhóis financiassem a sua viagem para as Américas, exigiu também, com insana ousadia, o título de “Grande Almirante dos Oceanos”. A corte concordou. O preço que ele fixou foi o que recebeu — exigiu ser tratado com respeito, e foi. Henry Kissinger também sabia que, nas negociações, fazer exigências ousadas funciona melhor do que começar com concessões gradativas e tentar satisfazer o outro. Coloque o seu preço lá em cima e depois, como fez o conde Lustig, suba mais ainda.
Compreenda: se a ousadia não é natural, a timidez também não. Ela é um hábito adquirido, porque se quer evitar conflitos. Se você está dominado pela timidez, portanto, livre-se dela. O medo que você sente das possíveis conseqüências de uma ousadia não é proporcional à realidade, e de fato a timidez tem conseqüências piores. Seu valor é rebaixado e você cria um ciclo vicioso de dúvidas e desastres. Lembre-se: os problemas criados por uma atitude ousada podem ser disfarçados, até remediados, por uma ousa-dia ainda maior.

Eu certamente acho que é melhor ser impetuoso do que prudente, pois a sorte é uma mulher e é preciso, se deseja dominá-la, conquistá-la pela força, e é visível que ela se deixa dominar pelo ousado de preferência ao que age friamente. E portanto, como uma mulher. ela é sempre amiga dos jovens, pois são menos cautelosos mais ferozes e a dominam com mais audácia.
Nicolau Maquiavel, 1469-1527

Ponha-se a trabalhar sempre sem receio de imprudências. O medo do fracasso na mente de quem age já é, para o observador, evidência de fracasso... Ações são perigosas quando há dúvida quanto a sua sensatez; seria mais seguro não fazer nada
Baltasar Gracián, 1601-1658

COMO SER VITORIOSO NO AMOR
Mas com aqueles que tocam o seu coração, notei que você é tímido. Esta qualidade pode afetar uma burguesa, mas você deve usar outras armas para atacar o coração de uma mulher do mundo ... Eu lhe digo em nome das mulheres: não há uma só de nós que não prefira uma leve indelicadeza à demasia consideração. Os homens perdem mais corações pela falta de jeito do que a virtude os salva. Quanto mais tímido um amante se mostrar, mais o nosso orgulho se preocupará em espiaçá-lo; quanto mais respeito ele tiver pela nossa resistência, mais respeito exigiremos dele. Gostaríamos de dizer aos homens: “Ah, por piedade, não nos suponham tão virtuosas: vocês nos forçam a exagerar...” Estamos continuamente lutando para esconder o fato de que permitimos ser amadas. Coloque uma mulher em posição de dizer que ela cedeu apenas a uma espécie de violência, ou a uma surpresa: convença-a de que você não a subestima, e eu responderei por ela... Um pouco mais de coragem da sua parte deixaria os dois à vontade. Lembre-se do M. De La Rochefoucauld lhe disse recentemente: “Um homem sensato apaixonado pode agir como um louco, mas ele não deve nem pode agir como um idiota.”
LIFE, LETTERS. AND EPICUREAN PHILOSOPHY OF NINON DE LENCLOS, NINON DE LENCLOS 1620-1705


O INVERSO
A ousadia não deve ser uma estratégia por trás de todas as suas ações. E um instrumento tático, para ser usado no momento certo. Planeje e pense com antecedência, e que o elemento final seja o movimento ousado que lhe dará o sucesso. Em outras palavras, visto que a ousadia é uma reação aprendida, também se aprende a controlá-la e utilizá-la à vontade. Passar pela vida armado apenas de audácia seria cansativo e também fatal. Você ofenderia muita gente, como provam os que não conseguem controlar a sua audácia.
A timidez não tem lugar no reino do poder; mas com freqüência será vantajoso para você fingir que é tímido. Aí, é claro, não se trata mais de timidez, mas de uma arma ofensiva: você está iludindo os outros exibindo uma timidez, para lhes mostrar as suas garras corajosamente mais tarde.



CAPÍTULO 27 LEI 27




JOGUE COM A NECESSIDADE QUE AS PESSOAS TÊM DE ACREDITAR EM ALGUMA COISA PARA CRIAR UM SÉQUITO DE DEVOTOS


As pessoas têm um desejo enorme de acreditar em alguma coisa. Torne-se o foco desse desejo oferecendo a elas uma causa, uma fé para seguir. Use palavras vazias de sentido, mas cheias de promessas; enfatize o entusiasmo de preferência à racionalidade e a clareza de raciocínio. Dê aos seus novos discípulos rituais a serem cumpridos, peça-lhes que se sacrifiquem por você. Na ausência de uma religião organizada e de grandes causas, o seu novo sistema de crenças lhe dará um imensurável poder.

A CIÊNCIA DO CHARLATANISMO, OU DE COMO CRIAR UM CULTO EM CINCO ETAPAS
Na busca, necessária, de métodos para obter o poder com o mínimo de esforço, você verá que a criação de um séquito de devotos é o mais eficaz. Ter um grande séquito abre inúmeras possibilidades de trapaça; não só eles o adorarão, como o defenderão de seus inimigos e assumirão voluntariamente o trabalho de atrair outros para o seu novo culto. Este tipo de poder o elevará a uma nova esfera: você não terá mais de se esforçar, ou usar de subterfúgios, para impor a sua vontade. Você é adorado e não erra.
Talvez você ache que criar um séquito desses seja uma tarefa colossal, mas ela é muito simples. Como seres humanos, temos uma necessidade desesperada de acreditar em alguma coisa, qualquer coisa. Isto nos torna eminentemente crédulos: simplesmente não suportamos longos períodos de dúvidas, ou o vazio de não se ter algo em que acreditar. Baste que acenem na nossa frente com uma nova causa, um novo elixir, um esquema para enriquecer rápido, ou a última tendência tecnológica ou movimento artístico que saltamos logo para morder a isca. Veja a história: as crônicas das novas tendências e cultos que formaram massas de seguidores, só elas bastam para encher uma biblioteca. Depois de alguns séculos, algumas décadas, alguns anos, alguns meses, em geral tudo isso cai no ridículo, mas na época pareceu tão atraente, tão transcendental, tão divino.
Sempre apressados para acreditar em alguma coisa, criamos santos e crenças do nada. Não desperdice essa credulidade: torne-se você mesmo um objeto de adoração. Faça com que as pessoas criem um culto ao seu redor.
Os grandes charlatões europeus dos séculos XVI e XVII dominaram a arte da criação de cultos. Ele viveram, como sabemos, numa época de grandes transformações: a religião organizada estava em declínio, a ciência em ascensão. As pessoas estavam desesperadas para se reunir em torno de uma nova causa ou fé. Os charlatões começaram mascateando elixires medicinais e atalhos alquímicos para a riqueza. Nas rápidas passagens de cidade em cidade, eles originalmente focalizavam pequenos grupos — até que, por acaso, tropeçaram num fato real da natureza humana: quanto maior o número de pessoas reunidas ao seu redor, mais fácil era enganá-las.
O charlatão subia numa plataforma de madeira (daí o termo “saltimbanco”) e multidões afluíam ao seu redor. Em grupo, as pessoas tomavam-se mais emotivas, menos capazes de raciocinar. Se o charlatão tivesse falado com elas individualmente, elas o teriam achado ridículo, mas, perdidas na multidão, viam-se presas num estado comum de êxtase. Era difícil para elas encontrar o distanciamento que dá espaço para o ceticismo. Qualquer deficiência nas idéias do charlatão era encoberta pelo zelo da massa. A paixão e o entusiasmo apossavam-se da multidão como por contágio, e elas reagiam violentamente a quem quer que ousasse espalhar uma semente que fosse de dúvida. Estudando conscientemente esta dinâmica ao longo de décadas de experiência e, espontaneamente, se adaptando às situações conforme elas iam acontecendo, os charlatões aperfeiçoaram a ciência de atrair e conquistar multidões, transformando-as em seguidores e os seguidores, em culto.
O macete publicitário dos charlatões hoje em dia pode parecer antiquado, mas ainda existe entre nós milhares que continuam usando os mesmos métodos testados e comprovados que seus antecessores aperfeiçoaram séculos atrás, mudando apenas os nomes dos seus elixires e modernizando a cara dos seus cultos. Encontramos estes charlatões contemporâneos em todas as áreas da vida — negócios, moda, política, arte. Muitos deles, talvez, seguem a tradição charlatã sem ter nenhum conhecimento histórico, mas você pode ser mais sistemático e premeditado. Simplesmente siga as cinco etapas da criação de um culto que nossos ancestrais charlatões aperfeiçoaram ao longo dos anos.
Etapa 1: Seja Vago, Seja Simples. Para criar um culto você deve primeiro chamar atenção. Isto não deve ser feito com ações, que são muito claras e de fácil compreensão, mas com palavras, que são nebulosas e enganadoras. No início, seus discursos, conversas e entrevistas devem incluir dois elementos: um, a promessa de algo grandioso e transformador; e outro, a total indefinição. Estes dois elementos combinados estimularão os mais variados tipos de sonho nebuloso nos seus ouvintes, que farão as suas próprias conexões e verão o que quiserem ver.
Torne atraente a sua indefinição, use palavras de grande ressonância mas significado obscuro, palavras cheias de calor e entusiasmo. Títulos sofisticados para coisas simples são úteis, como são o uso de números e a criação de novas palavras para conceitos vagos. Tudo isso cria a impressão de conhecimento especializado, dando a você um verniz de profundidade. Para provar o que estou dizendo, tente tornar o assunto do seu culto uma novidade, de forma que poucos o compreendam. Feita corretamente, a combinação de promessas vagas, conceitos nebulosos mas atraentes, e ardente entusiasmo alvoroçam as almas das pessoas e um grupo se formará ao seu redor.
Use um discurso vago demais, e você perderá a credibilidade. Ser específico, porém, é mais perigoso. Se você explica em detalhes os benefícios que as pessoas terão seguindo o seu culto, você terá de satisfazê-las.
Como um corolário a essa indefinição, o seu apelo deve também ser simples. A maioria dos problemas das pessoas é de origem complexa: neuroses profundas, fatores sociais inter-relacionados, raízes num passado distante excessivamente difíceis de desemaranhar. Poucos, entretanto, têm paciência para lidar com isto: a maioria quer uma solução simples para seus problemas. A capacidade de oferecer este tipo de solução lhe dará um grande poder e aumentará o número dos seus seguidores. Em vez de explicações complicadas baseadas na vida real, volte às soluções primitivas dos nossos ancestrais, à velha medicina natural, às panacéias misteriosas.
Etapa 2: Enfatize os Elementos Visuais e Sensoriais, de Preferência aos Intelectuais. Depois que as pessoas começam a se congregar a sua volta, dois perigos surgem naturalmente: o tédio e o ceticismo. O tédio fará as pessoas se afastarem, o ceticismo lhes permitirá um distanciamento para analisar mais racionalmente o que você oferece, desfazendo a névoa que você engenhosamente criou e revelando o que você realmente pensa. Você precisa distrair os entediados, portanto, e afastar os céticos.
A melhor maneira é fazer teatro, e outras coisas desse tipo. Cerque-se de luxo, atordoe seus seguidores com o esplendor visual, encha os olhos deles com espetáculos. Você não só impedirá que eles vejam que suas idéias são absurdas, que o seu sistema de crença é falho, como chamará mais atenção e atrairá mais seguidores. Apele para todos os sentidos: use incenso para as narinas, música tranqüilizadora para os ouvidos, tabelas e gráficos coloridos para os olhos. Você pode até fazer cócegas na mente, usando talvez engenhocas tecnológicas recentes para dar ao seu culto um verniz pseudocientífico — desde que não faça ninguém pensar realmente. Use elementos exóticos — culturas distantes, costumes estranhos — para criar efeitos teatrais, e fazer os incidentes mais banais e corriqueiros parecerem indícios de algo extraordinário.
Etapa 3: Copie as Formas da Religião Organizada para Estruturar o Grupo. Seu séquito está crescendo, é hora de organizá-lo. Descubra um jeito ao mesmo tempo alegre e agradável. As religiões organizadas há muito tempo exercem uma inquestionável autoridade sobre um grande número de pessoas, e continuam assim na nossa era supostamente secular. E mesmo que a religião tenha perdido um pouco da sua influência, suas formas ainda ecoam poder. As associações altivas e sagradas da religião organizada podem ser infinitamente exploradas. Crie rituais para os seus seguidores; organize-os hierarquicamente, nivelando-os em graus de santidade, e dando-lhes nomes e títulos com matizes religiosos; peça-lhes sacrifícios que encherão o seu cofre e aumentarão o seu poder. Para enfatizar a natureza semi-religiosa do seu grupo, fale e aja como um profeta. Você não éum ditador, afinal de contas — você é um sacerdote, um guru, um sábio, um xamã, ou qualquer outro termo que dissimule o seu verdadeiro poder nas brumas da religião.
Etapa 4: Disfarce a Sua Fonte de Renda. O seu grupo cresceu, e você o estruturou como uma igreja. Seus cofres estão começando a se encher com o dinheiro dos seus fiéis. Mas você não deve parecer muito ávido de dinheiro e do poder que ele traz. E neste momento que você precisa disfarçar a sua fonte de renda.
Seus seguidores querem acreditar que, acompanhando você, tudo de bom lhes cairá no colo. Cercando-se de luxo você se torna prova da estabilidade do seu sistema de crença. Não revele jamais que a sua riqueza vem édo bolso deles; pelo contrário, faça parecer que ela se origina da autenticidade dos seus métodos. Eles imitarão todos os seus movimentos acreditando que alcançarão os mesmos resultados, e nesse afã não perceberão que a sua riqueza é puro charlatanismo.
Etapa 5: Estabeleça uma Dinâmica Nós-versus-eles. O grupo agora é grande e está prosperando, um ímã atraindo uma quantidade cada vez maior de partículas. Mas se você não prestar a atenção, vem a inércia, e o tempo acrescido do tédio desmagnetiza o grupo. Para manter unidos os seus seguidores, você agora deve fazer o que todas as religiões e sistemas de crenças fizeram: criar uma dinâmica nós-versus-eles.
Primeiro, certifique-se de que seus seguidores acreditam que participam de um clube exclusivo, unidos por uma mistura de objetivos comuns a todos. Depois, para reforçar esta união, crie a idéia de um inimigo traiçoeiro disposto a acabar com vocês. Existe um exército de infiéis que farão tudo para deter você. Qualquer forasteiro que tentar revelar a natureza charlatã do seu sistema de crença pode agora ser descrito como um membro desta força traiçoeira.
Se você não tiver inimigos, invente um. Achando um judas para malhar, seus seguidores ficarão mais unidos e coesos. Eles têm uma causa em que acreditar, a sua, e infiéis para destruir.
 Lembre-se: as pessoas não estão interessadas na verdade sobre a mudança. Elas não querem ouvir dizer que ela é resultado de muito esforço, ou foi motivada por coisas banais como exaustão, tédio ou depressão. Elas morrem de vontade de acreditar em algo romântico, do outro mundo. Querem ouvir falar de anjos e experiências extracorporais. Agrade-as. Fale da origem mística de alguma mudança pessoal, envolva-a em cores etéreas, e ao seu redor se formará um grupo cultuando-o. Adapte-se às necessidades das pessoas: o messias deve espelhar os desejos dos seus seguidores. E mire sempre bem alto. Quanto maior e mais ousada a sua ilusão, melhor.
 Num grupo, o desejo de união social, mais antigo do que a própria civilização, anseia para ser despertado. Este desejo pode ser subordinado a uma causa unificadora, mas por baixo existe uma sexualidade reprimida que o charlatão sabe muito bem como explorar e manipular.
É isso o que Mesmer nos ensina: nossa tendência a duvidar, o distanciamento que nos permite racionalizar, acaba quando nos reunimos em grupo. O calor e o efeito contagiante do grupo vence o ceticismo do indivíduo. Este é o poder que você conquista criando um culto. Além disso, brincando com a sexualidade reprimida das pessoas, você as leva a ver a exaltação dos seus sentimentos como sinal da sua força mística. Você adquire um poder imenso trabalhando com a insatisfação das pessoas no seu desejo de uma espécie de unidade promíscua e pagã.
Lembre-se também de que os cultos mais eficazes misturam religião com ciência. Pegue a tendência ou modismo tecnológico mais recente e misture-os a uma causa nobre, uma fé mística, uma nova forma de curar. As interpretações que as pessoas vão dar para o seu culto híbrido crescerão vertiginosamente, e elas lhe atribuirão poderes que você nunca imaginou dizer que tem.

“O charlatão adquire o seu grande poder abrindo simplesmente uma possibilidade para os homens acreditarem naquilo em que já acreditam... Os crédulos não conseguem se manter distantes, eles se aglomeram em torno do milagreiro, entram na sua aura pessoal, entregam-se à ilusão solenemente, como gado.”
Grete de Francesco

“Os homens são tão simplórios, e tão dominados por suas necessidades imediatas, que um mentiroso sempre encontrará muitos prontos para serem enganados.”
Nicolau Maquiavel, 1469-1527


O INVERSO
Uma das razões para a criação de um séquito é que, em geral, é mais fácil enganar um grupo do que um indivíduo, e você fica com muito mais poder. Isso, entretanto, é perigoso: se num determinado momento o grupo perceber o que você está fazendo, você não se verá diante de uma alma iludida, mas de uma multidão irada que o estraçalhará tão avidamente quanto o seguiu antes. Os charlatões enfrentavam constantemente este risco, e estavam sempre prontos para se mudar para outra cidade quando se tornava evidente que seus elixires não funcionavam e suas idéias eram uma impostura. Se demorassem, pagavam com a vida. Brincando com as multidões, você brinca com fogo, e deve ficar de olho sempre, à espreita de lampejos de dúvida, nos inimigos que colocarão a multidão contra você. Quando se brinca com as emoções de uma multidão, é preciso saber se adaptar, afinando-se constantemente com os humores e desejos do grupo. Use espiões, mantenha-se informado e no controle, e de malas prontas.
Por isso, talvez você prefira lidar com as pessoas individualmente. Isolando-as do seu ambiente normal, você pode conseguir o mesmo efeito de quando as coloca num grupo — elas ficam mais suscetíveis a sugestões e intimidações. Escolha o otário certo e, se ele acabar percebendo o que você faz, pode ser mais fácil fugir dele do que de uma multidão.

terça-feira, 30 de outubro de 2012

CAPÍTULO 26 LEI 26



MANTENHA AS MÃOS LIMPAS


Você deve parecer um modelo de civilidade: suas mãos não se sujam com erro e atos desagradáveis. Mantenha essa aparência impecável fazendo os outros de joguete e bode expiatório para disfarçar a sua participação.

PARTE 1: ESCONDA OS SEUS ERROS
TENHA UM BODE EXPIATÓRIO POR PERTO PARA ASSUMIR A CULPA
A nossa boa reputação depende mais daquilo que escondemos do que daquilo que revelamos. Todos cometemos erros, mas quem é esperto consegue escondê-los e arranja alguém para acusar. É sempre conveniente ter um bode expiatório por perto nesses momentos.
Erros ocasionais são inevitáveis — o mundo é imprevisível demais. As pessoas no poder, entretanto, não se destroem pelos erros cometidos, mas pela forma como lidam com eles. Como cirurgiões, precisam cortar fora o tumor rápida e irrevogavelmente. Desculpas são ferramentas cegas demais para esta delicada operação; os poderosos as evitam. Ao se desculpar, você abre a porta para todos os tipos de dúvida sobre a sua competência, suas intenções, sobre outros erros que você talvez não tenha confessado. Desculpas não satisfazem a ninguém e um pedido de perdão deixa todo mundo constrangido. O erro não desaparece com uma desculpa; ele cresce e se inflama. Melhor cortar fora imediatamente, distrair as atenções de você, e focalizá-las sobre um bode expiatório conveniente antes que as pessoas tenham tempo de pensar na sua responsabilidade ou possível incompetência.
O uso de bodes expiatórios é tão antigo quanto a própria civilização, e podemos encontrar exemplos em culturas do mundo inteiro. A idéia principal por trás destes sacrifícios é passar a culpa e o pecado para uma figura externa — objeto, animal ou homem —, que depois é banida ou destruída. Os hebreus costumavam pegar um bode vivo (daí o termo bode expiatório) sobre cuja cabeça o sacerdote colocava ambas as mãos enquanto confessava os pecados dos Filhos de Israel. Depois de transferidos esses pecados para o animal, ele era levado para o deserto e lá ficava abandonado. No caso dos atenienses e dos astecas, o bode expiatório era humano, quase sempre uma pessoa alimentada e criada com este objetivo. Visto se considerar que a fome e as pragas eram castigos impostos pelos deuses aos humanos por seus maus atos, o povo sofria não só com a fome e as pragas, mas com a culpa também. Eles se livravam desse sentimento de culpa transferindo-o para uma pessoa inocente, cuja morte tinha intenção de satisfazer os poderes divinos e banir o mal entre eles.
É uma atitude extremamente humana a de não procurar dentro de si mesmo a razão de um erro ou crime, mas sim olhar para fora e colocar a culpa num objeto conveniente.
Esta profunda necessidade de externar a própria culpa, de projetá-la em outra pessoa ou objeto tem um poder imenso, que os astutos sabem como controlar. O sacrifício é um ritual, talvez o mais antigo de todos, e o ritual também é uma fonte de poder.
O sacrifício sangrento do bode expiatório parece uma relíquia bárbara do passado, mas a prática persiste até hoje, embora de forma indireta e simbólica; visto que o poder depende das aparências, e quem está no poder tem de parecer que não erra nunca, os bodes expiatórios estão mais populares do que nunca. Que líder moderno assumiria a responsabilidade por seus erros? Ele procura outras pessoas para incriminar, um bode expiatório para sacrificar.
Franklin D. Roosevelt tinha fama de homem honesto e justo. Ao longo de toda a sua carreira, entretanto, ele enfrentou muitas situações em que ser um bom sujeito significaria um desastre político — mas ele não poderia ser visto como agente de um jogo sujo. Durante vinte anos, portanto, seu secretário Louis Howe fez o papel de bode expiatório. Ele fazia os negócios nos bastidores, manipulava a imprensa, manobrava campanhas clandestinas. E sempre que se cometia um erro, ou vinha a público um truque sujo contradizendo a imagem cuidadosamente elaborada de Roosevelt, Howe servia de bode expiatório, e nunca se queixou disso.
Além de convenientemente desviar a culpa, o bode expiatório serve de alerta aos outros. Em 1631 tramava-se para tirar do poder o cardeal francês, Richelieu — um complô conhecido como “O Dia dos Trouxas”. Quase conseguiram, visto que dele participavam os altos escalões do governo, inclusive a rainha mãe. Mas com sorte e seus próprios cúmplices, Richelieu sobreviveu.
Um dos principais conspiradores era um homem chamado Marillac, o guardador dos selos. Richelieu não poderia mandar prendê-lo sem comprometer a rainha-mãe, tática que seria extremamente perigosa. Portanto ele mirou o irmão de Marillac, um marechal do exército. Esse homem não tinha nada a ver com o complô. Richelieu, entretanto, temendo que houvesse ainda no ar outras conspirações, especialmente no exército, decidiu dar um exemplo. Forjou acusações sobre o irmão de Marillac, e ele foi julgado e executado. Assim, indiretamente ele puniu o verdadeiro criminoso, que se achava protegido, e avisou aos futuros conspiradores que não relutaria em sacrificar inocentes para proteger o seu próprio poder.
De fato, quase sempre é preferível escolher a vítima mais inocente possível como bode expiatório. Pessoas assim não terão poder suficiente para lutar contra você, e seus protestos ingênuos poderão parecer exagerados — poderão ser vistos, em outras palavras, como sinal da sua culpa. Cuidado, entretanto, para não criar um mártir. É importante que você continue sendo a vítima, o pobre líder traído pela incompetência dos que o cercam. Se o bode expiatório parecer fraco demais e o seu castigo muito cruel, o tiro pode sair pela culatra. Às vezes você deve encontrar um bode expiatório mais poderoso — que a longo prazo desperte menos simpatia.
Seguindo esta tendência, a história tem demonstrado várias vezes que vale a pena usar um associado próximo como bode expiatório. Isto é conhecido como a “queda do favorito”. A maioria dos reis teve um favorito pessoal na corte, um homem a quem eles distinguiam dos outros, às vezes sem nenhum motivo aparente, e cobriam de favores e atenção. Mas este favorito podia servir como um conveniente bode expiatório se a reputação do rei se visse ameaçada. O público facilmente acreditaria na culpa do bode expiatório — por que o rei sacrificaria o seu favorito, se ele não fosse culpado? E os outros cortesãos, já ressentidos com o favorito, se alegrariam com a sua queda. O rei, enquanto isso, se livrava de um homem que provavelmente já sabia demais sobre ele, tendo até atitudes arrogantes e desdenhosas. Escolher um associado próximo como bode expiatório tem o mesmo valor da “queda do favorito”. Você pode perder um amigo ou ajudante, mas a longo prazo é mais importante esconder seus erros do que confiar em alguém que um dia, provavelmente, vai se virar contra você. Além do mais, você sempre pode substituí-lo por outro favorito.

Loucura não é cometer loucuras, e sim não conseguir escondê-las. Todos os homens erram, mas o sábio esconde os enganos que cometeu, enquanto o louco os torna públicos. A reputação depende mais do que se esconde do que daquilo que se mostra. Se você não pode ser bom. seja cuidadoso.
Baltasar Gracian. 1601 -1658

Os atenienses mantinham regularmente uma quantidade de seres degradados e inúteis; e quando acontecia uma calamidade, tal como uma praga, enchente ou escassez de alimentos... [estes bodes expiatórios] eram levados... e depois sacrificados, aparentemente apedrejados do lado de fora da cidade.
The Golden Bough, Sir James George Frazer 1854-1941


 PARTE II: NÃO COLOQUE A SUA MAO NO FOGO
Uma rainha não deve sujar as mãos com tarefas inglórias, nem um rei ode aparecer em público com o rosto manchado de sangue. Mas o poder não sobrevive sem o esmagar constante de inimigos — sempre haverá pequenas tarefas sujas que precisam ser feitas para manter você no trono.
Em geral será alguém fora do seu círculo imediato, que provavelmente não perceberá que está sendo usado. Você encontra esses trouxas por toda parte — gente que gosta de prestar favores, especialmente se você lhes jogar um ossinho, ou dois, em troca. Mas enquanto realizam tarefas que para eles podem parecer bastante inocentes, ou pelo menos totalmente justificadas, na verdade abrem o caminho para você, espalhando as informações que você lhes dá, destruindo aos poucos pessoas que eles não percebem serem suas rivais, inadvertidamente promovendo a sua causa, sujando as mãos enquanto as suas permanecem imaculadas.
Se você estiver temporariamente enfraquecido e precisar de tempo para se recuperar, quase sempre é mais vantajoso usar as pessoas ao seu redor como uma cortina para esconder suas intenções e como uma pata de gato para fazer o trabalho por você. Procure uma terceira parte com quem dividir um inimigo (mesmo que por motivos diversos). Depois se aproveite do seu poder superior para dar golpes que lhe custariam muito mais energia, visto que você é mais fraco. Você pode até delicadamente guiá-los para atitudes hostis. Procure sempre o flagrantemente agressivo - com freqüência eles estão mais dispostos a entrar numa briga, e você pode escolher exatamente a briga certa para o seu objetivo.
Saiba que prestar um favor não é coisa simples: não se deve fazer estardalhaço nem ser óbvio demais, pois quem recebe sente o peso da obrigação. Isto pode dar um certo poder a quem dá, mas é um poder que acaba se autodestruindo porque só desperta ressentimentos e resistência. Um favor prestado indiretamente e com elegância tem dez vezes mais poder.
O cortejador usa a mão enluvada para abrandar os golpes desfechados contra ele, disfarçar cicatrizes, tornar o ato de resgate mais elegante e limpo. Ao ajudar os outros, o cortejador acaba se ajudando. Jamais imponha um favor seu. Busque um jeito de tirar indiretamente seus amigos de dificuldades sem se impor ou fazer com que eles se sintam devedores.
Como líder você pode imaginar que o zelo constante, e a aparência de trabalhar mais do que todos, signifique poder. Na verdade, entretanto, tudo isso tem o efeito contrário: sugere fraqueza. Por que você trabalha tanto? Talvez seja incompetente e tenha de se esforçar mais para continuar onde está; talvez você seja uma dessas pessoas que não sabem delegar poderes e precisam se meter em tudo. Os verdadeiramente poderosos, por outro lado, não parecem nunca ter pressa ou estar sobrecarregados de trabalho. Enquanto os outros se esfalfam, eles descansam. Sabem onde encontrar quem que vai labutar enquanto eles poupam suas energias, e não queimam suas mãos no fogo. Similarmente, você pode achar que assumindo o trabalho sujo, envolvendo-se diretamente em ações desagradáveis, está impondo o seu poder e inspirando temor. De fato, você está mostrando uma imagem feia e abusiva da sua alta posição. Pessoas verdadeiramente poderosas não sujam as mãos. Ficam cercadas apenas de coisas boas, e só anunciam conquistas gloriosas.
Freqüentemente você verá que é preciso, é claro, gastar energia ou ter uma atitude nociva porém necessária. Mas, você não deve nunca parecer que é o agente dessa ação. Encontre alguém para sujar as mãos por você. Desenvolva a arte de encontrar, usar e, no devido tempo, se livrar dessas pessoas depois de cumprido o seu papel de pata do gato.
Na véspera de uma importante batalha naval, o grande estrategista chinês do século III, Chuko Liang, se viu falsamente acusado de trabalhar em segredo para o outro lado. Como prova da sua lealdade, seu comandante mandou que ele produzisse cem mil flechas para o exército em três dias, ou morreria. Em vez de tentar fazer as flechas, uma tarefa impossível, Liang pegou uma dúzia de barcos e mandou amarrar montes de palha ao lado de cada um deles. No fim da tarde, quando o rio costumava ficar coberto de neblina, ele arrastou os barcos em direção ao campo inimigo. Temendo uma armadilha do astuto Chuko Liang, o inimigo não usou os seus próprios barcos para atacar os do adversário, que mal conseguia enxergar, mas fez chover sobre eles uma nuvem de flechas atiradas da margem. A medida que os barcos de Liang se aproximavam ele ia aumentando a chuva de flechas, que ficavam espetadas na palha. Depois de várias horas, os homens escondidos a bordo desceram rapidamente o rio com os barcos até onde Chuko Liang os encontrou e recolheu as suas cem mil flechas.
Chuko Liang jamais fazia um trabalho que outros poderiam fazer por ele — estava sempre imaginando truques desse tipo. A chave para o planejamento de uma estratégia assim é a capacidade de pensar com antecedência, de imaginar formas de atrair os outros para fazer o trabalho por você.
Um elemento essencial para que esta estratégia funcione é disfarçar o seu objetivo, envolvendo-o numa capa de mistério, como os estranhos barcos inimigos que surgem indistintamente no meio da névoa. Se os seus rivais não têm certeza do que você está querendo, acabarão reagindo de forma a se prejudicar. De fato, eles é que sujarão as mãos por você. Se você disfarça suas intenções, fica muito mais fácil guiá-los para fazer exatamente o que você quer que seja feito mas prefere não fazer você mesmo. Isto pode exigir a execução anterior de vários movimentos, como uma bola de bilhar que ricocheteia nos cantos algumas vezes antes de acertar a caçapa.
O trapaceiro americano do início do século XX, Yellow Kid Weil sabia que, por mais hábil que fosse, se abordasse diretamente o otário rico perfeito, sendo ele um estranho, o sujeito ficaria desconfiado. Por isso Weil procurava alguém que o otário já conhecesse para sujar as mãos por ele —alguém numa posição inferior na hierarquia e que fosse um alvo improvável, menos suspeito. Weil fazia esse alguém se interessar por um esquema que prometia render uma enormidade de dinheiro. Convencido de que o esquema era para valer, ele em geral sugeria, sem ninguém o lembrar disso, que seu chefe ou amigo rico também deveria participar: com mais dinheiro para investir, esse chefe ou amigo aumentaria o tamanho do bolo e todos ganhariam mais. O sujeito que servia de disfarce, então, envolveria o rico otário, que era o alvo de Weil desde o início mas que não desconfiaria de uma armadilha, visto que o seu confiável subordinado é que o tinha amarrado. Artifícios desse tipo são em geral a melhor maneira de abordar a pessoa com poder: use um associado ou subordinado para fazer a ligação entre você e o seu alvo principal. O disfarce estabelece a sua credibilidade e o protege da desagradável aparência de estar exagerando na bajulação.
A maneira mais fácil e eficaz de se aproveitar da disfarce quase sempre é dando-lhe uma informação falsa que ele vai logo contar para o seu alvo principal. Informações falsas ou inventadas são uma arma poderosa, especialmente se divulgadas por um trouxa de quem ninguém desconfia. Você vai ver que é muito fácil bancar o inocente e não deixar ninguém perceber a origem delas.
O estratégico terapeuta Milton H. Erickson costumava ter entre seus pacientes casais em que a esposa queria fazer a terapia mas o marido se recusava terminantemente. Em vez de se cansar tentando tratar diretamente com o homem, Erickson atendia a esposa sozinha e, conforme ela ia falando, ele inseria na conversa interpretações do comportamento do marido que ele sabia que o irritariam. Com certeza, ela ia contar para marido o que o médico tinha dito. Depois de algumas semanas, ele já estava tão furioso que acaba insistindo em acompanhar a mulher, para acertar as contas com o médico.
Finalmente, há ocasiões em que se oferecer deliberadamente para tirar a castanha do fogo pode lhe dar um grande poder. É o ardil do perfeito cortesão. Seu símbolo é Sir Walter Raleigh, que certa vez colocou o seu casaco na lama para que a rainha Elizabeth não sujasse os sapatos. Como o instrumento que protege um senhor ou um par de coisas desagradáveis ou perigosas, você ganha um imenso respeito, que mais cedo ou mais tarde dará seus dividendos. E lembre-se: se conseguir dar a sua assistência de uma forma sutil e graciosa, em vez de se mostrar orgulhoso e incômodo, sua recompensa será ainda mais satisfatória e poderosa.

Faça você mesmo tudo que for agradável, para o que for desagradável você usa os outros. Com o primeiro procedimento voce sai favorecido, com o segundo você desvia a má vontade. Negócios importantes quase sempre exigem recompensas e punições. De você só deve vir o que é bom, o ruim virá dos outros.
Baltasar Gracián, 1601-1658

Eu prefiro trair o mundo inteiro do que deixar que o mundo me traia.
General Ts ‘ao Ts ‘ao, c. 155-220 d. C

A JUSTIÇA DE CHELM
Certa vez, aconteceu uma desgraça na cidade de Chelm. O sapateiro da cidade assassinou um dos seus clientes. Ele foi então levado ao juiz, que o condenou à forca. Anunciado o veredicto, um dos cidadãos se levantou e gritou, Se me permite — Vossa Senhoria acaba de condenar à morte o único sapateiro da cidade! Só temos ele. Se o enforcar, quem vai
consertar nossos sapatos?” Quem? Quem? ‘, gritaram todos da cidade de Chelm a uma só voz. O juiz balançou a cabeça  concordando e reconsiderou o seu veredicto. ‘Bom povo de Chelm “, disse ele, “o que dizem é verdade. Visto que só temos um sapateiro, seria um grave erro contra a comunidade deixá-lo morrer. E, como existem dois telhadores na cidade, que um deles seja enforcado no seu lugar.”
A Treasury Of Jewish Folklore, Nathan Ausubel.

Não se deve ser direto demais. Veja a floresta.
As árvores retas são cortadas, as retorcidas permanecem de pé.
Kautilya, filósofo hindu, século 3 a. C.
ORG.. 1948.


OINVERSO
O disfarce e o bode expiatório devem ser usados com extrema cautela e delicadeza. Eles são cortinas que escondem do público o seu próprio envolvimento no trabalho sujo; se de repente a cortina se erguer e você for visto como manipulador, o senhor dos fantoches, toda a dinâmica mudará de rumo — sua mão será vista por toda a parte, e você será acusado de infortúnios com os quais não tem nada a ver. Depois que a verdade vem à tona, as coisas vão tomando uma proporção incontrolável.
Em 1572, a rainha Catarina de Medici, da França, conspirava para acabar com Gaspard de Coligny, almirante da armada francesa e importante membro da comunidade huguenote (protestantes franceses). Coligny era amigo do filho de Catarina, Carlos IX, e ela temia a sua crescente influência sobre o jovem rei. Ela arrumou, portanto, um membro da família Guise, um dos dás reais mais poderosos da França, para assassiná-lo.
Mas, secretamente, Catarina tinha outro plano: ela queria que os huguenotes acusassem os Guise de terem matado um de seus líderes, e se vingassem. Com uma só tacada, ela apagaria ou prejudicaria dois perigosos rivais, Coligny e a família Guise. Mas os dois tiros saíram pela culatra. O assassino errou o alvo, ferindo apenas Coligny; sabendo que Catarina era sua inimiga, ele desconfiou seriamente de que ela é quem tinha tramado o ataque, e contou para o rei. Acabou que o assassinato fracassado e as discussões que se seguiram deram origem a uma série de acontecimentos resultando numa sangrenta guerra civil entre católicos e protestantes, que culminou no horrível massacre conhecido como a Noite de São Bartolomeu, quando milhares de protestantes foram mortos.
Se tiver de usar um disfarce ou o bode expiatório numa ação de sérias conseqüências, cuidado: exagerar pode ser prejudicial. É sempre mais sensato usar esses trouxas em tarefas mais inocentes, quando um erro não causará danos graves.
Finalmente, há momentos em que é mais vantajoso não disfarçar o seu envolvimento ou responsabilidade, mas assumir você mesmo a culpa por algum erro. Se você tem poder e está seguro dele, deve às vezes representar o penitente: com o olhar pesaroso, você pede perdão aos mais fracos. E o truque do rei que fica exibindo o seu sacrifício pelo bem-estar do povo. Ocasionalmente, também, é bom você se mostrar como o agente castigador, para inspirar medo e terror nos seus subordinados. Em vez da pata do gato, você mostra a sua mão poderosa com um gesto ameaçador. Use este trunfo com parcimônia. Se usá-lo com muita freqüência, o medo se transformará em ressentimento e ódio. Quando você perceber, essas emoções já terão se transformado numa forte oposição que acabará por derrubá-lo. Habitue-se a usar a pata do gato — é muito mais seguro.

segunda-feira, 29 de outubro de 2012

CAPÍTULO LEI 25



RECRIE-SE


Não aceite os papéis que a sociedade lhe impinge. Recrie-se forjando uma nova identidade, uma que chame atenção e não canse a platéia. Seja senhor da sua própria imagem, em vez de deixar que os outros a definam para você. Incorpore artifícios dramáticos aos gestos e ações públicas – seu poder se fortalecerá e sua personagem parecerá maior do que a realidade.
Compreenda isto: o mundo quer lhe atribuir um papel na vida. E no momento em que você aceitar este papel, estará perdido. O seu poder se limita apenas àquela minúscula porção consignada ao papel que você escolheu ou foi forçado a assumir. Um ator, pelo contrário, representa vários papéis. Goze deste poder multiforme, mas se isso não for possível, forje pelo menos uma nova identidade, criada por você mesmo, sem os limites definidos por um mundo invejoso e ressentido.
A sua nova identidade o protegerá do mundo exatamente porque não é “você”; é uma roupa que você veste e depois tira. Não precisa levar as coisas para o lado pessoal. E a sua nova identidade o distinguirá, lhe dará uma presença dramática. Quem estiver lá na última fila poderá ver e ouvir você. Os da primeira fila ficarão maravilhados com a sua ousadia.
A personalidade que lhe parece inata não é necessariamente você. Além das características herdadas, seus pais, amigos e colegas ajudaram a moldá-la. A tarefa prometéica do poderoso é a de assumir o controle do processo, não deixar mais que os outros tenham essa capacidade de limitá-la e moldá-la. Recrie-se como um personagem de poder. Esculpir você mesmo em um bloco de argila deve ser uma das tarefas mais importantes e agradáveis da sua vida. Faz de você basicamente um artista — um artista criando a si próprio.
De fato, a idéia da autocriação vem do mundo artístico. Durante milhares de anos, só os reis e o mais altos cortesãos eram livres para moldar a sua imagem pública e determinar a sua própria identidade, Da mesma forma, só os reis e os senhores mais ricos podiam contemplar a sua própria imagem na arte, e conscientemente alterá-la. O resto da humanidade representava um papel restrito exigido pela sociedade, e tinha pouca consciência de si mesma.
O primeiro passo no processo da autocriação é a autoconsciência — o estar consciente de si mesmo como ator e assumir o controle da sua aparência e das suas emoções. Como disse Diderot, o mau ator é aquele que é sempre sincero. As pessoas que estão sempre expondo a todos o que sentem são aborrecidas e constrangedoras. Apesar da sua sinceridade, é difícil levá-las a sério. Quem chora em público pode temporariamente despertar simpatia, mas a obsessividade dessas pessoas transforma logo a simpatia em desdém e irritação — elas choram para chamar atenção, é o que achamos, e um lado malicioso em nós não quer lhes dar essa satisfação.
Os bons atores se controlam mais. Eles podem fingir sinceridade e franqueza, podem simular uma lágrima e um ar compassivo se quiserem, mas não precisam sentir isso. Eles exteriorizam emoções de uma forma que os outros possam compreender. Representar segundo o Método é fatal no mundo real. Nenhum governante ou líder seria capaz de representar esse papel se todas as emoções mostradas tivessem de ser reais. Portanto, aprenda a se controlar. Adote a plasticidade do ator, que consegue expressar no rosto as emoções necessárias.
O segundo passo no processo da autocriação é uma variedade da estratégia de George Sand: a criação de uma personagem memorável, que chame atenção, que se erga acima dos outros atores no palco. Este era o jogo de Abraham Lincoln. O homem simples, do campo, era um tipo de presidente que a América nunca tinha tido mas que ficaria encantada em eleger. Embora muitas destas qualidades lhe fossem naturais, ele as representava — o chapéu, as roupas, a barba. (Nenhum presidente antes dele usou barba.) Lincoln também foi o primeiro presidente a usar fotografias para divulgar a sua imagem, ajudando a criar o ícone do “presidente simples”.
O bom drama, entretanto, requer mais do que uma aparência interessante, ou um único momento em evidência. O drama acontece ao longo do tempo — é um evento que se desdobra. O ritmo e o tempo são críticos. Um dos elementos mais importantes no ritmo do drama é o suspense. Houdini, por exemplo, às vezes era capaz de escapar em questão de segundos — mas prolongava o ato para deixar a platéia aflita.
A chave para manter a platéia sentada na beira da poltrona é deixar que os acontecimentos se desenrolem lentamente, depois acelerá-los no momento certo, de acordo com um plano e um andamento que é você quem controla. Os grandes governantes, de Napoleão a Mao Tsé-tung, usaram o ritmo dramático para surpreender e distrair seu público. Franklin Delano Roosevelt compreendeu a importância de encenar eventos políticos numa ordem e num ritmo particular.
Durante as eleições presidenciais de 1932, os Estados Unidos estavam passando por uma crise econômica muito difícil. Os bancos faliam numa velocidade alarmante. Logo depois de ganhar as eleições, Roosevelt entrou numa espécie de recesso. Não falou nada sobre seus planos ou indicações para o ministério. Até se recusou a se encontrar com o então presidente, Herbert Hoover, para discutir a transição. Quando Roosevelt tomou posse, o país se encontrava num estado de grande ansiedade.
No seu discurso, Roosevelt mudou de marcha. Falou com energia, esclarecendo que pretendia conduzir o país por uma direção totalmente nova, abandonando a timidez dos seus antecessores. A partir daí seus discursos e suas decisões públicas — indicações para ministérios, leis audaciosas — adquiriram um ritmo incrivelmente veloz. O período que se seguiu à posse ficou conhecido como os ‘Cem Dias”, e o sucesso na mudança de estado de espírito do país se originou da esperteza e do uso do contraste dramático de Roosevelt. Ele mantinha a sua platéia em suspenso, e impressionava com uma série de gestos corajosos que pareciam ainda mais imponentes porque não se sabia de onde vinham. Você precisa aprender a orquestrar assim os acontecimentos, sem mostrar todas as suas cartas de uma só vez, mas revelando-as aos poucos para dar mais dramaticidade.
Além de disfarçar inúmeros pecados, o bom drama pode também confundir e enganar o seu inimigo.
Você deve também avaliar a importância das entradas e saídas de cena. Quando Cleópatra foi conhecer César, no Egito, chegou enrolada num tapete que mandou desenrolar aos seus pés. George Washington duas vezes deixou o poder com floreios e fanfarras (primeiro como general, depois como o presidente que se recusou a concorrer a um terceiro mandato), mostrando que sabia dar importância ao momento, dramática e simbolicamente. Você deve ter o mesmo cuidado ao planejar as suas próprias entradas e saídas de cena.
Lembre-se de que exagerar na representação pode ser contraproducente — é outra forma de se esforçar demais para chamar atenção. O ator Richard Burton descobriu, logo no início da sua carreira, que ficando totalmente parado em cena fazia as pessoas olharem para ele e não para os outros atores. O importante não é tanto o que você faz, nitidamente, mas como você faz — a sua imobilidade graciosa e imponente no palco social conta mais do que o exagero na representação e nos movimentos.
Finalmente: aprenda a representar muitos papéis, a ser aquilo que a ocasião exige. Adapte a sua máscara à situação — tenha múltiplas faces. Bismarck era excelente neste jogo: com os liberais ele era liberal, com os agressivos ele era agressivo. Ninguém conseguia agarrá-lo, e o que não se agarra não se consome.

Saiba como ser todas as coisas para todos os homens. Um Proteus discreto — um erudito entre eruditos, um santo entre santos. Essa é a arte de conquistar todos, pois os iguais se atraem. Registre os temperamentos das pessoas que você conhece e se adapte a cada um deles —passe de sério a jovial, mudando de humor discretamente.
Baltasar Gracián, 1601-1658

Socialmente não se comenta que um homem é um grande ator? Não se está dizendo que ele sente, mas que é ótimo simulador, embora não sinta nada.
Denis Diderot, 1713-1784

INVERSO
Não pode haver o inverso para essa lei tão importante: mau teatro é mau teatro. Até para parecer natural é preciso ter arte — em outras palavras, representar. A canastrice só cria constrangimento. É claro que você não deve ser dramático demais — evite os gestos histriônicos. Mas isso é simplesmente mau teatro, já que desrespeita normas teatrais centenárias contra o exagero na representação. Em essência, o inverso não existe para esta lei.