USE A TÁTICA DA RENDIÇÃO:
TRANSFORME A FRAQUEZA EM PODER
Se você é o mais fraco, não
lute só por uma questão de honra; é preferível se render. Rendendo-se, você tem
tempo para se recuperar, tempo para atormentar e irritar o seu conquistador,
tempo para esperar que ele perca o seu poder. Não lhe dê a satisfação de lutar
e derrotar você – renda-se antes. Oferecendo a outra face, você o enraivece e
desequilibra. Faça da rendição um instrumento de poder.
Se você é a parte mais
fraca, não lucrará nada metendo-se numa briga inútil. Ninguém aparece para
ajudar os fracos – isso só traz prejuízos. Os fracos estão sozinhos e devem se entregar. Lutar não
lhe dará nada. além do martírio, e muita gente que não acredita na sua causa
morrera.
Fraqueza não é pecado, e
pode até se tornar uma força se você aprender a jogar corretamente.
A sorte muda e os poderosos
quase sempre são derrubados. A rendição disfarça um grande poder: despertando a
complacência do inimigo, você tem tempo para se recuperar, tempo para ir
minando o terreno, tempo para se vingar. Não sacrifique este tempo em troca do
mérito de participar de uma batalha da qual não sairá vencedor.
O que nos causa problemas na
esfera do poder é quase sempre a nossa própria reação exagerada aos movimentos
de nossos inimigos e rivais. Esse exagero cria dificuldades que teríamos
evitado se fôssemos mais sensatos. Tem também um efeito ricochete interminável,
pois o inimigo vai reagir com o mesmo exagero, como os atenienses fizeram com
os melianos. O nosso primeiro instinto é sempre o de reagir, enfrentar a
agressão com outra agressão. Mas, da próxima vez que alguém lhe der um empurrão
e você perceber que está começando a reagir, experimente isto: não resista nem
brigue, ceda, dê a outra face, curve-se. Verá que isso quase sempre neutraliza
o comportamento deles — eles esperavam, até queriam que você reagisse com
energia e foram, portanto, apanhados desprevenidos e a sua não-resistência os
deixou confusos. Na verdade, ao ceder você passa a controlar a situação, porque
isso faz parte de um plano maior para que eles acreditem que o derrotaram.
Esta é a essência da tática
da rendição; no íntimo você permanece firme, mas por fora você se inclina. Sem
mais motivos para se zangar, seus adversários ficam confusos. É improvável que
reajam com mais violência, o que exigiria de você uma reação. Em vez disso,
você tem tempo e espaço para armar um contramovimento para derrubá-los. No
confronto entre o inteligente e o bruto agressivo, a tática da rendição é a
melhor arma. Mas é preciso ter autocontrole: quem se rende de fato perde a
liberdade, e pode ser esmagado pela humilhação da derrota. Você deve se lembrar
de só parecer que está se rendendo, como o animal que se finge de morto para
salvar a pele.
Vimos que é melhor se render
do que brigar: diante de um adversário mais forte e da garantia de uma derrota,
quase sempre é melhor se render do que sair correndo. Na hora, a fuga pode ser
a salvação, mas o agressor acabará alcançando você. Rendendo-se, entretanto,
você terá oportunidade de se enroscar no inimigo e atacá-lo com unhas e dentes
bem de perto.
Quando o comércio exterior
começou a ameaçar a independência do Japão, em meados do século XIX, os
japoneses discutiram como derrotar os estrangeiros. Um ministro, Hotta
Masayoshi, escreveu um memorando em 1857 que influenciou a política japonesa
durante muitos anos: “Estou, portanto, convencido de que a nossa política
deveria ser fazer alianças cordiais, enviar navios a todos os países
estrangeiros e fazer comércio com eles, copiar os estrangeiros naquilo que eles
fazem melhor, reparando assim as nossas próprias deficiências, incentivando a
nossa força nacional e completando nossos armamentos, e submeter, assim,
gradualmente, os estrangeiros à nossa influência até que, no final, todos os
países do mundo conheçam as bênçãos da perfeita tranqüilidade e a nossa
hegemonia seja reconhecida no mundo inteiro.” Esta é uma aplicação brilhante da
lei: Use a rendição para ter acesso ao inimigo. Aprenda com ele, insinue-se
lentamente, conforme-se externamente aos seus hábitos, mas no íntimo conserve a
sua própria cultura. No fim você sairá vitorioso, pois enquanto ele o considera
fraco e inferior, e não toma nenhuma precaução para se defender, você usa este
tempo para se recuperar e ficar mais forte do que ele. Esta forma branda e
permeável de invasão quase sempre é a melhor, pois o inimigo nenhum motivo tem
para reagir, nada para se preparar, ou resistir. E se os japoneses tivessem
resistido à influência ocidental pela força, poderiam ter sofrido uma
devastadora invasão que alteraria para sempre a sua cultura.
A rendição também é uma
forma de você rir do inimigo, de virar o poder contra eles mesmos, como fez
Brecht. O romance A brincadeira, de Milan Kundera, baseado nas experiências do
autor numa colônia penal na Tchecoslováquia, conta que os guardas da prisão
organizaram uma corrida de revezamento, guardas contra prisioneiros. Para eles
esta era uma chance de exibir a sua superioridade física. Os prisioneiros
sabiam que era para eles perderem, por isso fizeram tudo para agradar —
fingindo um esforço exagerado enquanto mal se mexiam, caindo no chão depois de
correr só alguns metros, capengando, andando cada vez mais devagar enquanto os
guardas disparavam na frente. Aceitando ao mesmo tempo participar da corrida e
perder, ele tinham obedecido aos guardas; mas o excesso de obediência tomou o
evento ridículo a ponto de arruiná-lo. A “superobediência” — a rendição — nesse
caso foi uma demonstração de superioridade ao inverso. A resistência teria
colocado os prisioneiros num ciclo de violências, rebaixando-os ao nível dos
guardas. A superobediência, entretanto, colocou os guardas numa situação
ridícula, mas eles não podiam punir justamente os prisioneiros que só fizeram o
que eles tinham pedido.
O poder está sempre fluindo
— visto que o jogo é por natureza fluido e uma arena de lutas constantes, quem
está com o poder quase sempre acaba se encontrando na descida do pêndulo. Se
você se vir temporariamente enfraquecido, a tática da rendição é perfeita para
levá-lo para cima de novo — ela disfarça a sua ambição; ensina a você a
paciência e o autocontrole, habilidades-chave para o jogo, e o coloca na melhor
posição possível para tirar vantagem do súbito deslize do seu opressor. Se você
foge ou revida, não poderá vencer a longo prazo. Se você se rende, é quase
certo sair vitorioso.
Ouvistes o que foi dito:
Olho por olho, dente por dente. Eu, porém, vos digo: Não resistais ao perverso;
mas a qualquer que vos ferir a face direita, voltai-lhe também a outra; e ao
que quer demandar convosco e tirar-vos a túnica, deixai-lhe também a capa. Se
alguém vos obrigar a andar uma milha, ide com ele duas.
Jesus Cristo, em Mateus,
5:38-41
Os fracos jamais cedem
quando deveriam.
Cardeal de Retz, 16 13-1679
Voltaire vivia exilado em
Londres numa época em que estava no auge ser contra os franceses. Um dia,
caminhando pelas ruas, ele se viu cercado por uma multidão irada.
“Enforquem-no, enforquem o francês”, gritavam. Voltaire calmamente se dirigiu a
turba dizendo o seguinte: Ingleses! Desejam me matar porque sou francês. Já não
fui punido o suficiente por não ter nascido inglês?” A multidão aplaudiu as
suas palavras sensatas e o escoltaram de volta aos seus alojamentos.
The
Little, Brown
Book
Of Anecdotes, Clifton
Fadiman Ed. 1985
Lembre-se: quem está
tentando exibir a sua autoridade ilude-se facilmente com a tática da rendição.
Se você se mostra submisso, eles se sentem importantes. Contentes, porque estão
sendo respeitados, tornam-se alvos mais fáceis para um contra-ataque, ou para
uma zombaria dissimulada como fez Brecht. Ao avaliar o seu poder ao longo do
tempo, não sacrifique a capacidade de manobra a longo prazo pelas glórias
efêmeras do martírio. Quando o grande senhor passa, o camponês sábio se inclina
profundamente e peida em silêncio.
Provérbio etíope
O INVERSO
O objetivo da rendição é
salvar a sua pele para quando você puder se firmar novamente. É para evitar o
martírio que alguém se rende, mas há momentos em que o inimigo não descansa, e
o martírio parece ser a única escapatória. Além do mais, se você estiver
disposto a morrer, outros poderão tirar do seu exemplo poder e inspiração.
Mas o martírio, o inverso da
rendição, é uma tática confusa, pouco precisa, e tão violenta quanto a agressão
que ele combate. Para cada mártir famoso existem milhares que não inspiraram
religiões nem rebeliões, de forma que, se o martírio às vezes confere um certo
poder, isso é imprevisível. E, o que é mais importante, você não estará por
aqui para usufruir desse poder. E existe decididamente algo de egoísmo e
arrogância nos mártires, como se achassem que seus seguidores são menos
importantes do que a sua própria glória. Quando o poder o abandona, é melhor
ignorar esta inversão da Lei. Deixe para lá o martírio: o pêndulo acaba
oscilando para o seu lado novamente, e você precisa estar vivo para ver isso.
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