RECRIE-SE
Não aceite os papéis que a
sociedade lhe impinge. Recrie-se forjando uma nova identidade, uma que chame
atenção e não canse a platéia. Seja senhor da sua própria imagem, em vez de
deixar que os outros a definam para você. Incorpore artifícios dramáticos aos
gestos e ações públicas – seu poder se fortalecerá e sua personagem parecerá
maior do que a realidade.
Compreenda isto: o mundo
quer lhe atribuir um papel na vida. E no momento em que você aceitar este
papel, estará perdido. O seu poder se limita apenas àquela minúscula porção
consignada ao papel que você escolheu ou foi forçado a assumir. Um ator, pelo
contrário, representa vários papéis. Goze deste poder multiforme, mas se isso
não for possível, forje pelo menos uma nova identidade, criada por você mesmo,
sem os limites definidos por um mundo invejoso e ressentido.
A sua nova identidade o
protegerá do mundo exatamente porque não é “você”; é uma roupa que você veste e
depois tira. Não precisa levar as coisas para o lado pessoal. E a sua nova
identidade o distinguirá, lhe dará uma presença dramática. Quem estiver lá na
última fila poderá ver e ouvir você. Os da primeira fila ficarão maravilhados
com a sua ousadia.
A personalidade que lhe
parece inata não é necessariamente você. Além das características herdadas,
seus pais, amigos e colegas ajudaram a moldá-la. A tarefa prometéica do
poderoso é a de assumir o controle do processo, não deixar mais que os outros
tenham essa capacidade de limitá-la e moldá-la. Recrie-se como um personagem de
poder. Esculpir você mesmo em um bloco de argila deve ser uma das tarefas mais
importantes e agradáveis da sua vida. Faz de você basicamente um artista — um
artista criando a si próprio.
De fato, a idéia da
autocriação vem do mundo artístico. Durante milhares de anos, só os reis e o
mais altos cortesãos eram livres para moldar a sua imagem pública e determinar
a sua própria identidade, Da mesma forma, só os reis e os senhores mais ricos
podiam contemplar a sua própria imagem na arte, e conscientemente alterá-la. O
resto da humanidade representava um papel restrito exigido pela sociedade, e
tinha pouca consciência de si mesma.
O primeiro passo no processo
da autocriação é a autoconsciência — o estar consciente de si mesmo como ator e
assumir o controle da sua aparência e das suas emoções. Como disse Diderot, o
mau ator é aquele que é sempre sincero. As pessoas que estão sempre expondo a
todos o que sentem são aborrecidas e constrangedoras. Apesar da sua
sinceridade, é difícil levá-las a sério. Quem chora em público pode
temporariamente despertar simpatia, mas a obsessividade dessas pessoas
transforma logo a simpatia em desdém e irritação — elas choram para chamar
atenção, é o que achamos, e um lado malicioso em nós não quer lhes dar essa
satisfação.
Os bons atores se controlam
mais. Eles podem fingir sinceridade e franqueza, podem simular uma lágrima e um
ar compassivo se quiserem, mas não precisam sentir isso. Eles exteriorizam
emoções de uma forma que os outros possam compreender. Representar segundo o
Método é fatal no mundo real. Nenhum governante ou líder seria capaz de
representar esse papel se todas as emoções mostradas tivessem de ser reais.
Portanto, aprenda a se controlar. Adote a plasticidade do ator, que consegue
expressar no rosto as emoções necessárias.
O segundo passo no processo
da autocriação é uma variedade da estratégia de George Sand: a criação de uma
personagem memorável, que chame atenção, que se erga acima dos outros atores no
palco. Este era o jogo de Abraham Lincoln. O homem simples, do campo, era um
tipo de presidente que a América nunca tinha tido mas que ficaria encantada em eleger. Embora
muitas destas qualidades lhe fossem naturais, ele as representava — o chapéu,
as roupas, a barba. (Nenhum presidente antes dele usou barba.) Lincoln também
foi o primeiro presidente a usar fotografias para divulgar a sua imagem,
ajudando a criar o ícone do “presidente simples”.
O bom drama, entretanto,
requer mais do que uma aparência interessante, ou um único momento em evidência. O drama
acontece ao longo do tempo — é um evento que se desdobra. O ritmo e o tempo são
críticos. Um dos elementos mais importantes no ritmo do drama é o suspense.
Houdini, por exemplo, às vezes era capaz de escapar em questão de segundos —
mas prolongava o ato para deixar a platéia aflita.
A chave para manter a
platéia sentada na beira da poltrona é deixar que os acontecimentos se
desenrolem lentamente, depois acelerá-los no momento certo, de acordo com um
plano e um andamento que é você quem controla. Os grandes governantes, de
Napoleão a Mao Tsé-tung, usaram o ritmo dramático para surpreender e distrair
seu público. Franklin Delano Roosevelt compreendeu a importância de encenar
eventos políticos numa ordem e num ritmo particular.
Durante as eleições
presidenciais de 1932, os Estados Unidos estavam passando por uma crise
econômica muito difícil. Os bancos faliam numa velocidade alarmante. Logo
depois de ganhar as eleições, Roosevelt entrou numa espécie de recesso. Não
falou nada sobre seus planos ou indicações para o ministério. Até se recusou a
se encontrar com o então presidente, Herbert Hoover, para discutir a transição.
Quando Roosevelt tomou posse, o país se encontrava num estado de grande
ansiedade.
No seu discurso, Roosevelt
mudou de marcha. Falou com energia, esclarecendo que pretendia conduzir o país
por uma direção totalmente nova, abandonando a timidez dos seus antecessores. A
partir daí seus discursos e suas decisões públicas — indicações para
ministérios, leis audaciosas — adquiriram um ritmo incrivelmente veloz. O
período que se seguiu à posse ficou conhecido como os ‘Cem Dias”, e o sucesso
na mudança de estado de espírito do país se originou da esperteza e do uso do
contraste dramático de Roosevelt. Ele mantinha a sua platéia em suspenso, e
impressionava com uma série de gestos corajosos que pareciam ainda mais
imponentes porque não se sabia de onde vinham. Você precisa aprender a
orquestrar assim os acontecimentos, sem mostrar todas as suas cartas de uma só
vez, mas revelando-as aos poucos para dar mais dramaticidade.
Além de disfarçar inúmeros
pecados, o bom drama pode também confundir e enganar o seu inimigo.
Você deve também avaliar a
importância das entradas e saídas de cena. Quando Cleópatra foi conhecer César,
no Egito, chegou enrolada num tapete que mandou desenrolar aos seus pés. George
Washington duas vezes deixou o poder com floreios e fanfarras (primeiro como
general, depois como o presidente que se recusou a concorrer a um terceiro
mandato), mostrando que sabia dar importância ao momento, dramática e
simbolicamente. Você deve ter o mesmo cuidado ao planejar as suas próprias
entradas e saídas de cena.
Lembre-se de que exagerar na
representação pode ser contraproducente — é outra forma de se esforçar demais
para chamar atenção. O ator Richard Burton descobriu, logo no início da sua
carreira, que ficando totalmente parado em cena fazia as pessoas olharem para
ele e não para os outros atores. O importante não é tanto o que você faz,
nitidamente, mas como você faz — a sua imobilidade graciosa e imponente no
palco social conta mais do que o exagero na representação e nos movimentos.
Finalmente: aprenda a representar
muitos papéis, a ser aquilo que a ocasião exige. Adapte a sua máscara à
situação — tenha múltiplas faces. Bismarck era excelente neste jogo: com os
liberais ele era liberal, com os agressivos ele era agressivo. Ninguém
conseguia agarrá-lo, e o que não se agarra não se consome.
Saiba como ser todas as
coisas para todos os homens. Um Proteus discreto — um erudito entre eruditos,
um santo entre santos. Essa é a arte de conquistar todos, pois os iguais se
atraem. Registre os temperamentos das pessoas que você conhece e se adapte a
cada um deles —passe de sério a jovial, mudando de humor discretamente.
Baltasar Gracián, 1601-1658
Socialmente não se comenta
que um homem é um grande ator? Não se está dizendo que ele sente, mas que é
ótimo simulador, embora não sinta nada.
Denis Diderot, 1713-1784
INVERSO
Não pode haver o inverso
para essa lei tão importante: mau teatro é mau teatro. Até para parecer natural
é preciso ter arte — em outras palavras, representar. A canastrice só cria
constrangimento. É claro que você não deve ser dramático demais — evite os
gestos histriônicos. Mas isso é simplesmente mau teatro, já que desrespeita
normas teatrais centenárias contra o exagero na representação. Em essência, o
inverso não existe para esta lei.
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