segunda-feira, 29 de outubro de 2012

CAPÍTULO LEI 25



RECRIE-SE


Não aceite os papéis que a sociedade lhe impinge. Recrie-se forjando uma nova identidade, uma que chame atenção e não canse a platéia. Seja senhor da sua própria imagem, em vez de deixar que os outros a definam para você. Incorpore artifícios dramáticos aos gestos e ações públicas – seu poder se fortalecerá e sua personagem parecerá maior do que a realidade.
Compreenda isto: o mundo quer lhe atribuir um papel na vida. E no momento em que você aceitar este papel, estará perdido. O seu poder se limita apenas àquela minúscula porção consignada ao papel que você escolheu ou foi forçado a assumir. Um ator, pelo contrário, representa vários papéis. Goze deste poder multiforme, mas se isso não for possível, forje pelo menos uma nova identidade, criada por você mesmo, sem os limites definidos por um mundo invejoso e ressentido.
A sua nova identidade o protegerá do mundo exatamente porque não é “você”; é uma roupa que você veste e depois tira. Não precisa levar as coisas para o lado pessoal. E a sua nova identidade o distinguirá, lhe dará uma presença dramática. Quem estiver lá na última fila poderá ver e ouvir você. Os da primeira fila ficarão maravilhados com a sua ousadia.
A personalidade que lhe parece inata não é necessariamente você. Além das características herdadas, seus pais, amigos e colegas ajudaram a moldá-la. A tarefa prometéica do poderoso é a de assumir o controle do processo, não deixar mais que os outros tenham essa capacidade de limitá-la e moldá-la. Recrie-se como um personagem de poder. Esculpir você mesmo em um bloco de argila deve ser uma das tarefas mais importantes e agradáveis da sua vida. Faz de você basicamente um artista — um artista criando a si próprio.
De fato, a idéia da autocriação vem do mundo artístico. Durante milhares de anos, só os reis e o mais altos cortesãos eram livres para moldar a sua imagem pública e determinar a sua própria identidade, Da mesma forma, só os reis e os senhores mais ricos podiam contemplar a sua própria imagem na arte, e conscientemente alterá-la. O resto da humanidade representava um papel restrito exigido pela sociedade, e tinha pouca consciência de si mesma.
O primeiro passo no processo da autocriação é a autoconsciência — o estar consciente de si mesmo como ator e assumir o controle da sua aparência e das suas emoções. Como disse Diderot, o mau ator é aquele que é sempre sincero. As pessoas que estão sempre expondo a todos o que sentem são aborrecidas e constrangedoras. Apesar da sua sinceridade, é difícil levá-las a sério. Quem chora em público pode temporariamente despertar simpatia, mas a obsessividade dessas pessoas transforma logo a simpatia em desdém e irritação — elas choram para chamar atenção, é o que achamos, e um lado malicioso em nós não quer lhes dar essa satisfação.
Os bons atores se controlam mais. Eles podem fingir sinceridade e franqueza, podem simular uma lágrima e um ar compassivo se quiserem, mas não precisam sentir isso. Eles exteriorizam emoções de uma forma que os outros possam compreender. Representar segundo o Método é fatal no mundo real. Nenhum governante ou líder seria capaz de representar esse papel se todas as emoções mostradas tivessem de ser reais. Portanto, aprenda a se controlar. Adote a plasticidade do ator, que consegue expressar no rosto as emoções necessárias.
O segundo passo no processo da autocriação é uma variedade da estratégia de George Sand: a criação de uma personagem memorável, que chame atenção, que se erga acima dos outros atores no palco. Este era o jogo de Abraham Lincoln. O homem simples, do campo, era um tipo de presidente que a América nunca tinha tido mas que ficaria encantada em eleger. Embora muitas destas qualidades lhe fossem naturais, ele as representava — o chapéu, as roupas, a barba. (Nenhum presidente antes dele usou barba.) Lincoln também foi o primeiro presidente a usar fotografias para divulgar a sua imagem, ajudando a criar o ícone do “presidente simples”.
O bom drama, entretanto, requer mais do que uma aparência interessante, ou um único momento em evidência. O drama acontece ao longo do tempo — é um evento que se desdobra. O ritmo e o tempo são críticos. Um dos elementos mais importantes no ritmo do drama é o suspense. Houdini, por exemplo, às vezes era capaz de escapar em questão de segundos — mas prolongava o ato para deixar a platéia aflita.
A chave para manter a platéia sentada na beira da poltrona é deixar que os acontecimentos se desenrolem lentamente, depois acelerá-los no momento certo, de acordo com um plano e um andamento que é você quem controla. Os grandes governantes, de Napoleão a Mao Tsé-tung, usaram o ritmo dramático para surpreender e distrair seu público. Franklin Delano Roosevelt compreendeu a importância de encenar eventos políticos numa ordem e num ritmo particular.
Durante as eleições presidenciais de 1932, os Estados Unidos estavam passando por uma crise econômica muito difícil. Os bancos faliam numa velocidade alarmante. Logo depois de ganhar as eleições, Roosevelt entrou numa espécie de recesso. Não falou nada sobre seus planos ou indicações para o ministério. Até se recusou a se encontrar com o então presidente, Herbert Hoover, para discutir a transição. Quando Roosevelt tomou posse, o país se encontrava num estado de grande ansiedade.
No seu discurso, Roosevelt mudou de marcha. Falou com energia, esclarecendo que pretendia conduzir o país por uma direção totalmente nova, abandonando a timidez dos seus antecessores. A partir daí seus discursos e suas decisões públicas — indicações para ministérios, leis audaciosas — adquiriram um ritmo incrivelmente veloz. O período que se seguiu à posse ficou conhecido como os ‘Cem Dias”, e o sucesso na mudança de estado de espírito do país se originou da esperteza e do uso do contraste dramático de Roosevelt. Ele mantinha a sua platéia em suspenso, e impressionava com uma série de gestos corajosos que pareciam ainda mais imponentes porque não se sabia de onde vinham. Você precisa aprender a orquestrar assim os acontecimentos, sem mostrar todas as suas cartas de uma só vez, mas revelando-as aos poucos para dar mais dramaticidade.
Além de disfarçar inúmeros pecados, o bom drama pode também confundir e enganar o seu inimigo.
Você deve também avaliar a importância das entradas e saídas de cena. Quando Cleópatra foi conhecer César, no Egito, chegou enrolada num tapete que mandou desenrolar aos seus pés. George Washington duas vezes deixou o poder com floreios e fanfarras (primeiro como general, depois como o presidente que se recusou a concorrer a um terceiro mandato), mostrando que sabia dar importância ao momento, dramática e simbolicamente. Você deve ter o mesmo cuidado ao planejar as suas próprias entradas e saídas de cena.
Lembre-se de que exagerar na representação pode ser contraproducente — é outra forma de se esforçar demais para chamar atenção. O ator Richard Burton descobriu, logo no início da sua carreira, que ficando totalmente parado em cena fazia as pessoas olharem para ele e não para os outros atores. O importante não é tanto o que você faz, nitidamente, mas como você faz — a sua imobilidade graciosa e imponente no palco social conta mais do que o exagero na representação e nos movimentos.
Finalmente: aprenda a representar muitos papéis, a ser aquilo que a ocasião exige. Adapte a sua máscara à situação — tenha múltiplas faces. Bismarck era excelente neste jogo: com os liberais ele era liberal, com os agressivos ele era agressivo. Ninguém conseguia agarrá-lo, e o que não se agarra não se consome.

Saiba como ser todas as coisas para todos os homens. Um Proteus discreto — um erudito entre eruditos, um santo entre santos. Essa é a arte de conquistar todos, pois os iguais se atraem. Registre os temperamentos das pessoas que você conhece e se adapte a cada um deles —passe de sério a jovial, mudando de humor discretamente.
Baltasar Gracián, 1601-1658

Socialmente não se comenta que um homem é um grande ator? Não se está dizendo que ele sente, mas que é ótimo simulador, embora não sinta nada.
Denis Diderot, 1713-1784

INVERSO
Não pode haver o inverso para essa lei tão importante: mau teatro é mau teatro. Até para parecer natural é preciso ter arte — em outras palavras, representar. A canastrice só cria constrangimento. É claro que você não deve ser dramático demais — evite os gestos histriônicos. Mas isso é simplesmente mau teatro, já que desrespeita normas teatrais centenárias contra o exagero na representação. Em essência, o inverso não existe para esta lei.


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