domingo, 5 de maio de 2013

Sim, Senhor Chefe

Foto: Arte/ André Mello

RIO - Habilidades necessárias para o cargo: visão sistêmica, proatividade, dinamismo, capacidade de negociar e de planejar, postar elogios falsos sobre chefe nas redes sociais, fazer trabalhos de feira de ciências para a filha dele e não gostar da cor cinza. Para alguns gestores, não basta se adequar ao perfil requisitado para o trabalho: o profissional precisa também atender a pedidos que vão além das tarefas relativas à sua função. Segundo uma pesquisa do site americano CareerBuilder, 23% dos trabalhadores já foram solicitados por seus superiores para atividades extra-contrato: e tem desde pedido para comprar armas e conseguir drogas até espionar a gerência sênior.
— Se o seu chefe pede coisas que fujam ao seu escopo de trabalho, é importante ter uma comunicação aberta em torno do que é ou não apropriado — diz Rosemary Haefner, vice-presidente de Recursos Humanos do CareerBuilder.
Extrapolando o bom senso
Mas nem sempre é fácil. Até porque dizer “não” para aquele que pode ser responsável pela perda do seu emprego não é uma tarefa simples. Na lista do site de carreira americano, os profissionais contam que já foram acionados pelo chefe, por exemplo, para emprestar US$ 400 (R$ 800) para quitar uma parcela da compra do carro, para comprar um rifle (com promessa de reembolso), conseguir drogas e pagar fiança para tirar um colega de trabalho da cadeia.
Por aqui, a coach Waleska Farias diz que já testemunhou ou soube de várias situações em que o chefe extrapolou os limites não só da relação profissional, como do bom senso:
— Um exemplo bizarro é o de uma diretora que solicitou a uma gerente da sua equipe comercial que diminuísse a altura da saia e ousasse nos decotes para “facilitar” a abordagem com os clientes.
Sensação de celebridade
Waleska cita ainda a supervisora de uma grande fábrica que pediu que uma das funcionárias cortasse o longo cabelo:
— Ela alegou que isso ofuscava o brilho das demais que tinham cabelos curtos e malcuidados. A recomendação da chefe veio sob o pretexto de que isso acabaria por criar constrangimento com as demais e excluí-la do grupo...
E teve ainda o gestor que solicitou que o funcionário corrigisse os possíveis erros de grafia de todos os seus textos — sendo que essa não era uma atribuição de seu cargo:
— Ele disse que sua mente era muito rápida e ele não podia perder tempo com isso. E ainda sugeriu que o funcionário fizesse as correções após o expediente, para evitar que as pessoas vissem — diz Waleska.
O coach Homero Reis, consultor de gente e gestão, define esse tipo de chefe como o que acha que é uma “celebridade”:
— A questão é que eles acreditam que são mais importantes do que a própria empresa. Dessa forma, não sabem diferenciar a autoridade do cargo com o seu lado pessoal e envolvem funcionários em atividades que não dizem respeito ao trabalho deles.
Um exemplo desse perfil “celebridade” é o chefe que pede a alguém da sua equipe para entrar em uma rede social e postar falsos elogios sobre ele, situação relatada pela pesquisa do CareerBuilder. Ou o que manda o funcionário ligar para sua diarista para explicar como organizar as toalhas e lençóis na casa dele, como Ylana Miller, especialista em Recursos Humanos, já viu acontecer.
Exercitando a segurança
— Chefes que têm esta atitude utilizam sua autoridade de forma ilimitada, se sentem no direito de mandar, ordenar e intimidar — diz Ylana, que é sócia diretora da Yluminarh e professora do Ibmec.
Mas e na hora de dizer não? Como os funcionários devem enfrentar a situação?
— Esta é uma das situações mais complicadas no ambiente de trabalho. É possível, sim, negar pedido feito pelo chefe, desde que o profissional esteja munido das razões apropriadas. O ideal é explicar seus motivos com confiança e segurança, ou seja, de uma maneira que o seu chefe perceba que você refletiu antes de falar com ele — diz Homero.
66% dos chefes levam notas A e B
O CareerBuilder também pediu aos entrevistados que dessem notas aos chefes: 66% mereceram aprovação, levando notas A e B. No geral, 40% dos consultados deram B, 26% A, 20% C, 9% D e 6% E. Enquanto 64% dos funcionários disseram respeitar seus chefes, 37% disseram que aprendem com eles e 32% acreditam que são mais inteligentes que eles.
Então, se os funcionários caem em uma equipe liderada por um um gestor que não respeita limites entre o pessoal e o profissional, os especialistas recomendam que ele procure o supervisor para uma boa conversa.
— Vale a pena ter uma conversa franca, primeiramente, com o chefe. Dessa forma, a relação não será prejudicada. Nessas situações, a sinceridade e o diálogo são as melhores soluções — acredita o coach Homero Reis.
Caso isso não resolva, o departamento de Recursos Humanos da empresa pode ser acionado, afirma Sérgio Ramos, coordenador de RH da Nova Rio, da área de terceirização de serviços.
— Se o chefe mantiver a posição, cabe ao funcionário procurar o superior dele ou o RH para expor a situação.
Ramos acredita, ainda, que, quando um chefe abusa desse tipo de comportamento, acaba havendo, na realidade, um duplo constrangimento:
— Tudo isso é negativo porque, quando o colaborador se propõe a fazer o que lhe foi solicitado, fica refém do seu chefe, sem contar que se cria um clima de desconforto entre todos os outros colaboradores, uma vez que o tipo de relacionamento deixará de ser profissional para ser pessoal. Pode haver, até, situação de ciúmes na equipe.
Por isso, Ramos defende, o melhor é se negar a fazer tarefas que nada digam respeito ao seu dia de trabalho.
— Nós sabemos que muitos aceitam esse tipo de situação para manter o seu emprego e ficar “bem com o chefe”, o que não é uma postura correta.
O que dizer, então, se o chefe pede, por exemplo, para que o subordinado faça o trabalho de casa de seu filho, ajude a planejar o seu próprio casamento ou espione os gerentes seniores?
— Uma boa saída é o funcionário dizer ao chefe que não possui habilidades suficientes para exercer o solicitado.
Chefes que não olham para a equipe
É comum, também, que “chefes celebridades”, que se acham mais importantes do que a empresa, não tenham preocupação com as necessidades de sua equipe, embora em boa parte do tempo peçam que ela realize tarefas estritamente pessoais para eles.
— Esses profissionais não têm preocupação com o trabalho ou a equipe e não procuram saber das atividades do funcionário, por isso não veem problema em solicitar tarefas pessoais aos seus colaboradores — diz Reis.
Já para a consultora de Recursos Humanos Ylana Miller, os gestores com esse perfil também podem ser definidos como “inseguros, controladores e, por vezes, manipuladores":
— Recomendo que o profissional não se irrite e mantenha o controle da situação e não adote postura de coitadinho ou demonstre medo, pois é exatamente isso o que eles querem.
Reis acredita que, embora esse perfil de líder seja comum no mercado de trabalho, não é o mais recorrente:
— O líder do futuro conhece seus valores e os vivencia, assim como reconhece sua falhas e pede desculpas; sabe pedir desculpas. Ele valoriza seus funcionários, se preocupa de fato com a empresa e com sua equipe.


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