quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

Estórias, Para Que Servem?

Gostei e quero compartilhar.

Autora: Mércia Regina de Santana Flannery

Os contos de exemplo, quando bem usados, ainda são os melhores e mais baratos cognitores de que pode dispor qualquer docente..

Mais do que conseguir dados para a minha tese de doutorado, a experiência de conversar com pessoas que descreveram essas circunstâncias e de ouvir suas estórias foi uma grande e pungente lição. Se pretendemos mesmo chegar a entender ao outro e evitar a geração de problemas no nosso lidar com indivíduos de formação e experiência diferentes da nossa, compartilhar suas estórias é um bom começo. 

As experiências de discriminação que coletei revelaram, entre outras coisas, os cenários e situações mais típicas em que a discriminação ocorre. Além disso, tais estórias oferecem a perspectiva daqueles que experimentaram a discriminação, detalhando como isso afeta a forma como se sentem.

Considere, por exemplo, a estória de um atleta profissional que chegou a ser detido pela polícia porque uma vendedora desconfiou de que ele e seu amigo não possuíssem os recursos necessários para comprar os objetos de uma loja. Ou ainda, o caso de uma estudante universitária que, indagando sobre o preço de um computador exposto em uma loja recebeu como resposta a infeliz explicação de que o computador em questão estava quebrado e que a loja não vendia computadores. (Nesse último caso, parece mesmo tratar-se de um duplo insulto na medida em que houve, de acordo com a autora do relato, não só um atitude preconceituosa e discriminatória por parte do vendedor, mas também uma implícita sugestão de que ela havia interpretado erroneamente a presença de um computador na loja.) Restou perguntar (o que, infelizmente, a nossa narradora não fez): se não estava à venda, para que fim mesmo é que o computador encontrava-se exposto?

Por se tratar de um assunto tão delicado e que põe aqueles que experimentaram a situação em uma posição onde se arrisca aquilo a que lingüistas chamam de "face negativa," seu desejo de serem respeitados e apreciados, nem todos com quem falei foram diretos ao descrever o preconceito a que foram sujeitos. Por exemplo, em alguns casos os autores dessas estórias não usaram o pronome de primeira pessoa, dando preferência a formas impessoais e coletivas, como "você" ou "a gente," respectivamente.

Quanto ao conteúdo, tais estórias também revelaram as "velhas formas" nas quais o preconceito se manifesta em nossa sociedade, os "velhos" receios, e as "velhas,", mas persistentes e infelizes noções de como evitar que futuras gerações venham a ter os mesmo problemas que as gerações anteriores: através do casamento com os de pele mais clara.

E, o que poderia parecer surpreendente, a maioria dos indivíduos a quem eu entrevistei não aprovava a medida governamental do regime de quotas universitárias para alunos negros. Muitos disseram achar que os problemas que se precisam combater estão situados bem antes da universidade, por exemplo, na qualidade do ensino público oferecido às populações pobres.

A lista daquilo que se pode aprender, e que eu tive a feliz experiência de poder ter aprendido com as pessoas a quem entrevistei, é extensa e o espaço aqui é limitado para relatá-lo em sua integridade. Porém, sobram uma certeza que vale a pena aqui referir: estórias, narrativas orais mesmo, aquelas que contamos no dia-a-dia, são importantes veículos para registrar, revelar e construir não só a nossa identidade, a ideia que fazemos de nós mesmos, mas também para revelar uma infinidade e riqueza de informações sobre aqueles com quem lidamos. Portanto, da próxima vez que alguém quiser lhe contar uma estória, preste atenção! Você poderá descobrir bem mais do que imagina...


Notas sobre a Autora:

Mércia Regina de Santana Flannery é Doutora em Linguística, Professora de Português e Cultura na Universidade da Pensilvânia, Filadélfia, Estados Unidos. 

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