Vigilância
epistêmica” é a preocupação que todos nós devíamos ter com
relação a tudo o que lemos, ouvimos e aprendemos de outros seres
humanos, para não sermos enganados.
Significa
não acreditar em tudo o que é escrito e é dito por aí, inclusive
em salas de aula.
Achar
que tudo o que ouvimos é verdadeiro, que nunca há uma segunda
intenção do interlocutor, é viver ingenuamente, com sérias
consequências para nossa vida profissional.
Existe
um livro famoso de Darrell Huff chamado Como
Mentir com Estatísticas, que
infelizmente é vendido todo dia, só que as editoras não divulgam
para quem.
Cabe
a cada leitor tentar descobrir.
Vigilância
epistêmica é uma expressão mais elegante do que aquela palavra que
todos nós já conhecíamos por “desconfiômetro”, que nossos
pais nos ensinaram e infelizmente a maioria de nós esqueceu.
Estudos
mostram que crianças de até 3 anos são de fato ingênuas,
acreditam em tudo o que veem, mas a partir dos 4 anos percebem que
não devem crer.
Por
isso, crianças nessa idade adoram mágicas, ilusões óticas,
truques. Assim, elas aprenderão a ter vigilância epistêmica no
futuro.
Lamentavelmente,
muitos acabam se esquecendo disso na fase adulta e vivem confusos e
enganados, porque não sabem mais o que é verdade ou mentira.
Nossa
imprensa infelizmente não ajuda nesse sentido; ela também não sabe
mais separar o joio do trigo.
Hoje,
o Google indexa tudo o que encontra pela frente na internet, mesmo
que se trate de uma grande bobagem ou de uma grande mentira.
Qualquer
“opinião” é divulgada aos quatro cantos do mundo.
O
Google não coloca nos primeiros lugares os sites da Universidade de
Oxford, Cambridge, Harvard ou da USP, supostamente instituições
preocupadas com a verdade.
In
veritas é
o lema de Harvard.
O
Google não usa sequer como critério de seleção a
“qualificação” de
quem escreve o texto no seu algoritmo de classificação.
Ph.Ds.,
especialistas, o Prêmio Nobel que estudou a fundo o verbete
pesquisado aparecem muitas vezes somente na oitava página
classificada pelo Google.
Avaliem
o efeito disso sobre a nossa cultura e a nossa sociedade a longo
prazo.
Todos
nós precisamos estar atentos a dois aspectos com relação a tudo o
que ouvimos e lemos:
•
Se
quem nos fala ou escreve conhece a fundo o assunto, é um
especialista comprovado, pesquisou ele próprio o tema, sabe do que
está falando ou é no fundo um idiota que ouviu falar e simplesmente
está repassando o que leu e ouviu, sem acrescentar absolutamente
nada.
•
Se
o autor está deliberadamente mentindo.
Aumentar
a nossa vigilância epistêmica é uma necessidade cada vez mais
premente num tempo que todos os gurus chamam de “Era da
Informação”.
Discordo
profundamente desses gurus, estamos na realidade na “Era da
Desinformação”, de tanto lixo e “ruído” sem significado
científico que nos são transmitidos diariamente por blogs,
chats, podcasts e internet, sem
a menor vigilância epistêmica de quem os coloca no ar. É mais uma
consequência dessa visão neoliberal de que todos têm liberdade de
expressar uma opinião, como se opiniões não precisassem de rigor
científico e epistemológico antes de ser emitidas.
Infelizmente,
nossas universidades não ensinam epistemologia, aquela parte da
filosofia que nospropõe indagar o que é real, o que dá para ser
mensurado ou não, e assim por diante.
Embora
o ser humano nunca tenha tido tanto conhecimento como agora, estamos
na “Era da Desinformação” porque perdemos nossa vigilância
epistêmica. Ninguém nos ensina nem nos ajuda a separar o joio do
trigo.
Foi
por isso que as “elites” intelectuais da França, Itália e
Inglaterra no século XIV criaram as várias universidades com
catedráticos escolhidos criteriosamente, justamente para servir de
filtros e proteger suas culturas de crendices, religiões
oportunistas e espertos pregando mentiras.
Há
500 anos nós, professores titulares, livres-docentes e doutores, nos
preocupamos com o método científico, a análise dos fatos
usando critérios científicos, lógica, estatísticas de todos os
tipos, antes de sair proclamando “verdades” ao grande público.
Hoje,
essa elite não é mais lida, prestigiada, escolhida, entrevistada
nem ouvida em primeiro lugar. Pelo contrário, está lentamente
desaparecendo, com sérias consequências.
Revista
Veja, Editora Abril, edição 2028, ano 40, nº 39, 3 de outubro de
2007, página 20
Por: Stephen kanitz
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