DESPERTE A FANTASIA DAS PESSOAS
Em geral evita-se a verdade
porque ela é feia e desagradável. Não apele para o que é verdadeiro ou real se
não estiver preparado para enfrentar a raiva que vem com o desencanto. A vida é
tão dura e angustiante que as pessoas capazes de criar romances ou invocar
fantasias são como oásis no meio do deserto: todos correm até lá. Há um enorme
poder em despertar a fantasia das pessoas.
Tal é o poder das fantasias
que tomam conta de nós, especialmente em épocas de escassez e declínio. As
pessoas raramente acreditam que a origem dos seus problemas é a sua própria
iniqüidade e estupidez. A culpa é sempre de alguém ou alguma coisa externa — o
outro, o mundo, os deuses —e, portanto, a salvação também vem de fora.
Para conquistar o poder,
você tem de ser fonte de prazer para as pessoas que o cercam — e o prazer vem
de brincar com as fantasias dessas pessoas. Não lhes prometa uma melhoria
gradual por meio do trabalho árduo; pelo contrário, prometa-lhes a lua, a
grande e súbita transformação, o pote de ouro.
A fantasia não atua sozinha.
Ela exige a rotina como pano de fundo. É a opressão da realidade que permite à
fantasia enraizar-se e florescer. Na Veneza do século XVI, a realidade era o
declínio e a perda de prestígio. A fantasia correspondente descrevia uma súbita
recuperação das glórias passadas através do milagre da alquimia.
Quem consegue tecer com os
fios da dura realidade uma fantasia tem acesso a poderes incalculáveis. Na
busca pela fantasia que vai dominar as massas, portanto, fique de olho nas
trivialidades que pesam tanto sobre todos nós. Não se distraia com os retratos
glamourosos que as pessoas fazem de si mesmas e das suas vidas; pesquise o que
realmente as aprisiona. Uma vez descobrindo isso, você tem a chave mágica que
colocará em suas mãos um grande poder.
Embora os tempos e as
pessoas mudem, vamos examinar algumas das realidades opressivas que não mudam,
e as oportunidades de poder que elas proporcionam:
- A Realidade: A mudança é
lenta e gradual. Exige muito trabalho, um pouco de sorte, uma quantidade
razoável de sacrifício pessoal e muita paciência.
- A Fantasia: Uma
transformação repentina provocará uma mudança total no destino de uma pessoa,
evitando o trabalho, a sorte, o sacrifício pessoal e a demora de um só golpe
fantástico.
Esta é a fantasia por
excelência dos charlatões que até hoje ficam nos rondando. Prometa uma grande e
radical mudança — da pobreza para a riqueza, da doença para a saúde, da miséria
para o êxtase — e você terá seguidores.
O que fez o grande
trambiqueiro alemão do século XVI, Leonhard Thurneisser, para se tornar médico
da corte do príncipe de Brandenburgo sem nunca ter estudado medicina? Em vez de
receitar amputações, ventosas e purgativos de gosto ruim (medicamentos da
época), Thurneisser oferecia elixires adocicados e prometia recuperação
imediata. Os cortesãos sofisticados, especialmente, queriam a sua solução de
“ouro potável” que custava uma fortuna. Se você fosse atacado por uma doença
inexplicável, Thurneisser consultava um horóscopo e receitava um talismã. Quem
resistia a essa fantasia — riqueza e bem-estar sem dor nem sacrifícios!
- A Realidade: A sociedade
tem códigos e limites bem definidos. Nós compreendemos estes limites e sabemos
que temos que nos mover dentro dos mesmos círculos familiares, dia e noite.
- A Fantasia: Podemos entrar
num mundo totalmente novo, de códigos diferentes e com a promessa de aventuras.
No início do século XVIII,
toda a Londres se alvoroçou com os boatos sobre um estranho misterioso, um
jovem chamado George Psalmanazar. Ele acabara de chegar de uma terra que a
maioria dos ingleses julgava fantástica: a ilha de Formosa (hoje Taiwan), na
costa da China. A Universidade de Oxford contratou Psalmanazar para ensinar a
língua que se falava naquela ilha; alguns anos depois ele traduziu a Bíblia e,
em seguida, escreveu um livro — que se tomou logo um best -seller — sobre a
história e a geografia de Formosa. A realeza inglesa recebia prodigamente o
jovem e ele, onde quer que fosse, divertia seus anfitriões com histórias
maravilhosas sobre a sua terra natal e seus costumes bizarros.
Quando Psalmanazar morreu,
entretanto, seu testamento revelou que ele era apenas um francês com uma fértil
imaginação. Tudo que ele contara sobre Formosa — seu alfabeto, seu idioma, sua
literatura, toda a sua cultura — era invenção sua. Ele se baseou na ignorância
de seus ouvintes para inventar uma complicada história que satisfazia um desejo
pelo que era estranho e exótico. O rígido controle da cultura britânica sobre
os perigosos sonhos das pessoas lhe deu uma oportunidade ótima para explorar as
suas fantasias.
A fantasia com o exótico, é
claro, passa também pela fantasia sexual. Mas não precisa chegar muito perto, porque
o físico perturba o poder da fantasia; ele pode ser visto, agarrado, e depois
se toma cansativo — o destino da maioria dos cortesãos. Os encantos físicos da
amante só despertam o apetite do seu senhor por prazeres diferentes, é uma nova
beleza a ser adorada. Para dar poder, a fantasia deve permanecer até certo
ponto irrealizada, literalmente irreal. A dançarina Mata Hari, por exemplo, que
ficou famosa em Paris antes da Primeira Guerra Mundial, tinha uma aparência
bastante comum. Seu poder vinha da fantasia que ela criou sobre si mesma, como
uma mulher exótica e estranha, impenetrável e indecifrável. O tabu com que ela
operava não era tanto o sexo em si, mas o desrespeito aos códigos sociais.
Outra forma de fantasia com
o exótico é simplesmente a esperança de alívio para o tédio. Os charlatões
adoram brincar com a opressão do mundo do trabalho, com a sua falta de
aventura. Suas trapaças envolvem, digamos, a recuperação do tesouro espanhol,
com a possível participação de uma atraente señorita mexicana e uma conexão com
o presidente de um país sul-americano — qualquer coisa que ofereça um alívio
para a rotina.
- A Realidade: A sociedade é
fragmentada e cheia de conflitos.
- A Fantasia: As pessoas
podem se juntar numa união mística de almas.
Na década de 1920, o
trapaceiro Oscar Hartzell ficou rico de repente com o velho truque de Sir
Francis Drake — que prometia basicamente a qualquer otário que tivesse o
sobrenome “Drake” uma boa parte do desaparecido “tesouro de Drake”, ao qual
Hartzell tinha acesso. Milhares de pessoas de todo o Meio-Oeste caíram no
logro, que Hartzell espertamente transformou numa cruzada contra o governo e
todos que tentassem impedir que a fortuna de Drake chegasse às mãos de seus
legítimos herdeiros. Criou-se uma união mística dos oprimidos Drake, com
encontros e comícios exaltados. Prometa uma união desse tipo e você conquistará
muito poder, mas é um poder perigoso que pode se voltar facilmente contra você.
Esta é uma fantasia para demagogos.
- A Realidade: Morte. Os
mortos não voltam, não se muda o passado.
- A Fantasia: Uma súbita
inversão deste fato intolerável.
Esta trapaça tem muitas
variações, mas exige grande habilidade e sutileza.
Há muito tempo que se
reconhece a beleza e a importância da arte de Vermeer, mas seus quadros são poucos,
e extremamente raros. Na década de 1930, entretanto, começaram a surgir Vermeer
no mercado de arte. Chamaram especialistas para conferir, e eles garantiram que
eram autênticos. Possuir um destes novos Vermeer seria o auge da carreira de um
colecionador. Era como a ressurreição de Lázaro: curiosamente, Vermeer tinha
ressuscitado. Alterou-se o passado.
Só mais tarde se soube que
os novos Vermeer eram obra de um falsário holandês de meia-idade, um tal Han
van Meegeren. E ele tinha escolhido Vermeer porque compreendeu o mecanismo da
fantasia: os quadros pareceriam reais exatamente porque o público e os
especialistas também queriam muito acreditar que eram.
Lembre-se: a chave para a
fantasia é a distância. O que está distante fascina e promete, parece simples e
sem problemas. O que você está oferecendo, portanto, deve ser inalcançável. Não
deixe que se torne opressivamente familiar; é a miragem lá longe, que vai se
afastando conforme o tolo se aproxima. Não seja muito objetivo ao descrever a
fantasia — mantenha-a indefinida. Como um forjador de fantasias, deixe a vítima
se aproximar o bastante para ver e se sentir tentada, mantendo-a porém afastada
o suficiente para continuar sonhando e desejando.
A mentira é um feitiço, uma
invenção, que pode ser ornamentada como uma fantasia. Pode estar revestida com
idéias místicas. A verdade é fria, sóbria, não tão confortável de se assimilar.
A mentira é mais apetitosa. A pessoa mais detestável do mundo é a que sempre
fala a verdade, nunca romanceia... Eu acho sempre mais interessante e lucrativo
romancear do que dizer a verdade.
Joseph
Weil vulgo “The Yellow Kid”, 1875-1976
O FUNERAL DA LEOA
Tendo o leão perdido
subitamente a sua rainha, todos se apressaram a mostrar fidelidade ao monarca
oferecendo-lhe consolo. Mas infelizmente esses cumprimentos só esta vem
deixando o viúvo mais aflito. Noticiou-se por todo o reino a hora e o lugar do
funeral, os oficiais receberam ordem para ficar de prontidão, dirigir a
cerimônia e distribuir as pessoas segundo seus respectivos lugares na
sociedade. Pode-se bem imaginar que não faltou ninguém. O monarca deu vazão à
sua tristeza e toda a caverna, visto que leões não têm outros templos, ressoava
com seus lamentos. Seguindo o seu exemplo, todos os cortesãos rugiram, em seus
diferentes tons. A corte é um lugar onde todos ficam tristes, alegres ou
indiferentes de acordo com o príncipe reinante; ou, se alguém não se sente
assim, pelo menos tenta parecer que sente; todos procuram imitar o senhor.
Diz-se que uma só cabeça anima milhares de corpos, mostrando nitidamente que os
seres humanos não passam de máquinas. Mas voltemos ao nosso assunto. Só o veado
não chorava. Como ele era capuz disso, realmente? A morte da rainha era uma
desforra pura ele; ela havia estrangulado a sua esposa e o seu filho. Um
cortesão achou justo contar ao consternado monarca, e até afirmou ter visto o
veado rir. A ira de um rei, diz Salomão, é terrível, principalmente a de um
rei-leão. “Miserável forasteiro!” Exclamou, “ousas rir quando todos a sua volta
se desfazem em lágrimas? Não sujaremos nossas garras reais com teu sangue
profano! Vingarás, bravo lobo, a nossa rainha imolando esse traidor a sua
augusta alma?” Ao que o veado respondeu: ‘Senhor, já não é mais hora de chorar,
a tristeza aqui é supérflua. Vossa reverenciada esposa acabou de aparecer para
mim repousando sobre um leito de rosas; eu a reconheci instantaneamente.
‘Amigo’. ela me disse, termine essa pompa fúnebre, faça cessar essas lágrimas
inúteis. Provei milhares de delícias nos campos Elísios, conversando com santos
como eu. Deixe que o desespero do rei permaneça por uns tempos incontido, ele
me gratifica." Mal ele havia falado, quando alguém gritou: “Um milagre! Um
milagre!” O veado, em vez de ser punido, recebeu um belo presente. Deixe que o
rei sonhe, teça-lhe elogios, e conte-lhe algumas mentiras agradáveis e
fantásticas: por mais indignado que ele esteja com você, engolirá a isca e fará
de você o seu melhor amigo.
FÁBULAS, JEAN DE LA
FONTAINE. 1621-1695
Se quiser contar mentiras
que pareçam verídicas, não conte a verdade na qual ninguém vai acreditar.
IMPERADOR TOKUGAWA IEYASU DO
JAPÃO,
SÉCULO XVII
Nenhum homem precisa se
desesperar para convencer os outros das suas hipóteses mais extravagantes se
tiver arte suficiente para apresentá-las em cores favoráveis.
David Hume, 1711-1 776
O INVERSO
Se há poder em despertar as
fantasias das massas, também há riscos. A fantasia em geral tem um componente
de jogo - o público percebe mais ou menos que está sendo enganado, mesmo assim
alimenta o sonho, se diverte e aprecia o afastamento temporário da rotina que
você está lhe proporcionando. Portanto, não exagere - não se aproxime demais do
ponto onde se espera que você produza resultados. Esse lugar pode ser
extremamente arriscado.
Uma última coisa: não
cometa, jamais, o erro de achar que a fantasia é sempre fantástica. Ela sem
dúvida contrasta com a realidade, mas a própria realidade é às vezes tão
teatral e estilizada que a fantasia se torna um desejo por coisas simples. A
imagem que Abraham Lincoln criou para si mesmo, por exemplo, como um simples
advogado provinciano barbudo, fez dele o presidente do povo.
P. T. Barnum criou um ato de
grande sucesso com Tom Thumb, um anão travestido de líderes famosos do passado,
como Napoleão, e os satirizava maldosamente. O espetáculo agradava a todos, até
a rainha Vitória, porque apelava para a fantasia da época: basta com os
vaidosos governantes da história, o homem comum é que sabe das coisas. Tom
Thumb inverteu o modelo familiar de fantasia em que o ideal é o que é estranho
e desconhecido. Mas o ato continuava obedecendo à Lei, pois a base era a
fantasia de que o homem simples não tem problemas, e é mais feliz do que o rico
e poderoso.
Tanto Lincoln quanto Tom
Thumb representaram o plebeu que se mantinha cuidadosamente à distância. Se
você jogar com essa fantasia, deve também ter o cuidado de cultivar o
distanciamento e não deixar que a sua persona “plebéia” se torne familiar
demais, ou não se projetará como fantasia.
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