sábado, 31 de maio de 2014

Resolução da Raiva


Por Steve Andreas

Muitas vezes é dito que as pessoas devem "apenas largar, deixar de lado" o ódio, a raiva ou o ressentimento. (Isso implica em que o ódio é uma "coisa" física que se pode agarrar, ao invés de um sentimento. Normalmente o que se "agarra" não é o sentimento, mas o som, a imagem ou a voz que provoca o sentimento.) No entanto, por mais útil que o conselho possa ser, ele não diz como fazer, e não deixa a pessoa numa situação melhor. Muitas vezes, o resultado desse tipo de conselho é um aborrecimento adicional, deixando a pessoa com a mesma raiva com que começou, além de uma camada adicional de autocrítica por não ser capaz de "apenas deixar de lado a raiva".
Meses atrás, eu pedi aos leitores do meu blog que entrassem em contato comigo se experimentassem ódio, para que eu pudesse falar com eles como uma espécie de estudo piloto para conhecer mais sobre o assunto. Conversei com várias pessoas, e trabalhei com duas delas para descobrir se seria possível chegar a algum tipo de resolução. Eu usei principalmente um método chamado de "mapeamento cruzado" com submodalidades (os menores elementos dentro das cinco modalidades sensoriais), que é um método básico e muito útil desenvolvido por Richard Bandler há muitos anos atrás.
Eu descobri muitas aplicações interessantes e úteis desse método, e gostaria de compartilhar com você os resultados iniciais dessa exploração. Nesse processo, você primeiro descobre como as imagens da pessoa sobre uma experiência problemática são diferentes de uma experiência de recursos adequada. Em seguida, você mantém o mesmo conteúdo da experiência problema, mas transforma a maneira que é representada nas qualidades da experiência de recursos. Todos os nossos processos de dor, vergonha e perdão usam esse mapeamento cruzado como um aspecto fundamental da intervenção - apoiado por outros passos também fundamentais que são únicos para cada questão diferente - que nós modelamos a partir de pessoas que resolveram com sucesso cada questão.
Fred (nome fictício) foi a primeira pessoa com quem trabalhei. Um homem de 46 anos, que me disse que "há muito tempo tinha problemas com a raiva", particularmente quando se sentia decepcionado ou desconfiado. Ele disse que sempre odiou alguém, "pulando de uma pessoa para outra", resultando em uma "série de pessoas" com quem não tinha chegado a nenhuma resolução, e disse (meio de brincadeira) que "parece que eu não sou feliz a menos que esteja com raiva de alguém". Ele disse que, muitas vezes, criticava as pessoas para que elas melhorassem o que estavam fazendo, em vez de permitir que elas mesmas descobrissem como poderiam fazer melhor. Isso, muitas vezes, resultou no seu sentimento de raiva, e as pessoas, frequentemente, lhe diziam que ele estava exagerando.
Atualmente ele odiava um ex-empregado (Sam), que ele havia treinado durante anos, mas que havia parado a cerca de um ano, e com quem, desde então, não tinha tido nenhuma interação significativa. Quando lhe perguntei quanto tempo ele passava odiando Sam, ele disse que sempre que se criticava, ele o fazia usando o tom da voz do Sam, e como se criticava muito, ele pensava no Sam quase o tempo todo. E sempre que pensava no Sam, ele sentia as sensações de raiva, "como uma azia" na parte superior do tórax.
Pedi que ele comparasse a forma como pensava no Sam com a maneira como ele pensava em alguém que tinha odiado antes (Bill), mas com quem agora não tinha mais nenhum sentimento preocupante. Ele via o rosto de Sam do tamanho do seu braço, falando em voz muito alta, localizado acima e a direita, no lugar onde ele visualizava o seu futuro e dizia: "é quase como um obstáculo." A sua imagem do Bill era bastante diferente, localizada bem na sua frente, muito menor, a cerca de 3 metros de distância, o corpo completo em um contexto mais amplo, sem qualquer som. O rosto do Sam era um esboço opaco e borrado, enquanto que a imagem do Bill era numa tonalidade sépia esverdeada.
Se o Fred representasse a imagem do Sam da mesma maneira que ele representava o Bill, os seus sentimentos também mudariam por consequência. Então pedi que ele pegasse a imagem do Sam, a recuasse para uma distância de uns 3 metros, diminuísse a imagem, e ao mesmo tempo incluísse todo o corpo de Sam e enxergasse a imagem em um contexto, deixasse o som desaparecer, e deixasse a imagem deslizar para o centro, onde a sua imagem do Bill estava localizada.
No começo, ele teve dificuldades, porque o seu sentimento de ódio "continuava puxando a imagem de volta para a direita." Como eu achava que provavelmente seus sentimentos resultavam principalmente da voz crítica alta, perguntei se ele tinha permitido que o som diminuísse para zero. Descobrimos que ele tinha se esquecido de fazer isso, provavelmente porque dei muito rápido as instruções. Depois que ele permitiu o som diminuir, ficou fácil ele deslizar a imagem para o centro e para baixo.* Quando fez isso, as suas sensações imediatamente caíram para um 6 ou 7 em uma escala de 10, e depois continuou a diminuir. (As sensações, muitas vezes, duram mais do que os sons ou as imagens, e por isso, se uma sensação for forte, às vezes, para diminuir leva tempo mesmo depois de alterado o estímulo.)
Um pouco mais tarde, Fred disse que as suas sensações diminuíram para 1, e que ele estava sorrindo e dando risada. Então ele disse: "Eu estava cego no presente, não era capaz de enxergar o futuro. Agora que o rosto está fora do caminho, eu posso enxergar o meu futuro." E com um pouco de tristeza, disse: "Não há muito no futuro, mas agora que eu posso enxergá-lo, posso começar a preenchê-lo." Pouco depois, disse pensativo, em voz baixa: "Há um monte de gente a quem eu preciso pedir desculpas." Eu só queria ter certeza de que ele não ia começar a se criticar, por isso verifiquei se ele estava apenas sentindo uma leve tristeza por ter ficado irritado, tão frequentemente, com os outros de forma inadequada, ou se ele simplesmente queria fazer as pazes.
Sugeri que ele pensasse em um determinado momento no futuro, em que ele poderia ficar com raiva, e também para ter certeza de que ele poderia enxergar o resto do seu futuro e para lhe dar uma perspectiva de longo prazo sobre a atual contrariedade.
Em resumo, o rosto grande e barulhento de qualquer pessoa com quem o Fred estivesse com raiva, o impedia de ver o seu futuro. Como isso ocupava grande parte da sua atenção, sua reação ficava desproporcional para a situação. Este é um exemplo do princípio de Daniel Kahneman, extraído do seu excepcional livro "Thinking Fast and Slow": "O que você vê é tudo que existe." Agora que o Fred pode ver o seu futuro, ele tem um alcance muito maior da experiência, e por isso a sua reação à frustração ou à dificuldade será muito mais equilibrada e adequada.
* Mais tarde eu descobri que ele tinha adicionado uma peça na transição. Como ele deslizou a imagem mais para o centro e para baixo, ele a deslizou para baixo em uma espécie de "piscina de lama" e fora da vista. Isso não é algo que eu gostaria de pedir para alguém fazer, porque poderia haver alguma informação útil que estaria perdida ao desaparecer por completo. Normalmente, é muito melhor mudar a representação do que eliminá-la completamente. Como Milton Erickson disse: "Sua tarefa é a de alterar, não abolir." No entanto, parece que funcionou para o Fred (veja abaixo).
Follow-up: umas semanas mais tarde, Fred me enviou o seguinte e-mail:
"Minhas desculpas por não haver dado retorno antes. Achei a nossa conversa muito útil, na medida em que eu tenho que reconhecer o significado das imagens que eu sempre presumi ser uma questão totalmente auditiva. O nível da raiva que eu experimentava antes de nossa comunicação, reduziu-se muito uns dias depois, o que me deu a oportunidade de trabalhar sobre o porquê eu vivia retornando ao mesmo padrão de pensamento que me perturbava antes. Descobri que a raiva/ódio estava ligada à péssima relação que tive com o meu pai. Cada vez que eu enfraquecia/mudava a imagem da pessoa que atualmente me irritava, havia uma vaga imagem/sensação de meu pai à distância que eu não havia notado antes. Parecia estar 'espelhada' como se eu estivesse olhando em um espelho, mas enxergasse o meu pai em vez de mim mesmo, e isso me fazia pensar que eu estava me comportando como ele!"
(Esse é um bom exemplo de como uma mudança pode, às vezes, revelar outros aspectos de um problema que precisaria ser abordado mais tarde. Fred foi capaz de dar esse passo ao examinar a sua imagem do seu pai como se estivesse espelhada.)
"Eu não tinha sido capaz de resolver os problemas com o meu pai no que se referia à raiva/ódio, pois parecia que eu tinha alguns "buracos negros" nas memórias da infância. Recentemente estive utilizando o EMDR (um tipo de trabalho do movimento ocular semelhante ao método EMI - integração do movimento ocular - da PNL), que me revelou muito sobre esses "buracos negros" e estou me sentindo muito mais calmo sobre as coisas em geral."
"Eu continuo a usar o método que você me ensinou para muitas coisas. Achei de grande utilidade para reduzir o estresse relacionado a incidentes insignificantes em que eu costumava explodir de um modo desproporcional. Agora, quando eu afundo essas pessoas na lama, eu adiciono um pouco de vapor saindo delas, e observo o vapor se dissipando no ar! Funciona muito bem. Obrigado por me mostrar isso."
A segunda pessoa com quem trabalhei, Sally, odiava um homem que já tinha admirado antes, mas que acabou por odiar todas as mulheres, e que, repetidamente, a acusava e a criticava na frente dos outros. Ela percebeu que não podia mais confiar nele, sentiu que não podia se defender sozinha e que se sentia insegura perto dele. Ambos viviam numa cidade pequena, e embora ela tentasse evitá-lo, inevitavelmente havia momentos em que os seus caminhos se cruzavam. Sempre que ela o via, sentia um aperto no peito e uma intensa raiva e repulsa – tão intensa que ela ficava "quase à beira de se desmanchar em lágrimas".
Pedi que ela pensasse em alguém que houvesse odiado no passado, mas com quem agora se sentia bem, já não o odiava mais. Então pedi que ela visse, ao mesmo tempo, a imagem dessa pessoa e a imagem do homem que ela ainda odiava, comparasse as duas e anotasse as diferenças.
A sua imagem do homem que ela odiava estava bem na frente dela, a cerca de um metro de distância. A imagem era da parte superior do tronco e do rosto, "grande, claro e em cores vividas".
A imagem da pessoa que ela tinha odiado no passado, estava a cerca de 5 metros de distância, a cerca de 20 graus para o lado esquerdo, de corpo inteiro, "desbotada, nebulosa, numa cor esmaecida". Não havia som nas duas imagens, mas ela sentia que a imagem do homem que ela odiava "possuía uma discreta raiva assustadora".
Se você comparar as imagens de Sally com as do Fred, pode notar que há semelhanças interessantes. As duas representações da pessoa odiada estão perto e grande, e incluem apenas o rosto e o tronco superior. As representações da pessoa que não é mais odiada estão muito mais longe, de corpo inteiro, e em um contexto maior. Mas também existem muitas diferenças individuais no local, na cor, no foco, etc.
Então fiz o mesmo tipo de transformação que eu tinha feito com o Fred. Pedi que ela pegasse a imagem do homem que ela odiava, permitisse que ela se afastasse para cerca de 5 metros, se tornasse desvanecida, nebulosa e em cores desbotadas, e depois a mudasse para o lado até cerca de 20 graus para a esquerda. Quando lhe perguntei como se sentia com a imagem movida para essa nova posição, ela disse que estava um pouco melhor, mas que as suas sensações de raiva "foram arrastadas junto com a imagem," uma forte indicação de que essa não era uma mudança apropriada para ela. Eu pensei que poderia haver algo sobre a sua experiência de recursos que não se encaixava perfeitamente, e que, provavelmente, se eu tivesse parado aqui ou insistido para que ela continuasse, isso não teria sido bom para ela.
Então eu procurei reunir mais informações, perguntando a ela sobre uma pessoa a quem ela já havia sentido raiva, mas com quem agora estava bem. "O que houve com essa pessoa que lhe permitiu deixar a raiva ir?" Ela disse que o tinha em consideração e confiava nele. Eu disse: "Certamente não seria apropriado ter consideração e confiar num homem que você ainda odeia, não é?", ao que ela concordou plenamente. Isso me confirmou de que precisávamos encontrar uma experiência de recursos um pouco diferente, alguém que ela havia perdoado, mas que ainda não o tinha em consideração ou confiava nele.
"Pense em alguém que você odiou uma vez, mas que foi capaz de deixar ir a raiva, e que você ainda não tem consideração nem confia nele." Quando ela fez uma pausa por um certo tempo, eu disse, meio que brincando: "Certamente deve ter havido pelo menos um ou dois deles." Ela concordou rindo, e pensou em alguém. Quando perguntei a ela sobre a imagem dessa pessoa, de novo ela disse que estava a cerca de 5 metros de distância dela, e também desbotada, nebulosa, e em cores esmaecidas, mas que estava localizada na frente dela, a cerca de 30 graus abaixo da horizontal.
Quando pedi que ela movesse a imagem do homem que ainda odiava para essa posição, e permitisse que a imagem se tornasse desbotada, nebulosa, numa cor esmaecida, ela imediatamente sentiu a diminuição da tensão no seu peito, podia respirar facilmente e a sua raiva enfraqueceu completamente.
Quando pedi que ela imaginasse vê-lo em algum lugar da sua pequena cidade, ela disse: "Minha reação interna é como, 'por mais que ele esteja por lá, para mim tudo bem’. Eu não quero ter nada a ver com ele, e não tenho mais aquela reação que costumava ter. Isso certamente me faz sentir muito melhor."
Embora a mudança parecesse completa, pedi que ela imaginasse outros cenários em diferentes locais na sua pequena cidade onde ela poderia encontrá-lo, e simplesmente percebesse a sua reação. Esses ensaios testaram a sua nova reação, e também a programaram, de modo que a reação fosse automática quando o encontrasse no mundo real. Ela não teve nenhuma reação emocional significativa em qualquer um desses ensaios. Então pedi que ela me enviasse um e-mail em uma ou duas semanas com um pequeno relatório de acompanhamento, e que entrasse em contato comigo novamente depois que tivesse visto o homem que ela odiava.
Umas semanas mais tarde, enviei um e-mail pedindo feedback. Em resposta, ela escreveu: "Eu não esbarrei com ele ainda, mas alguns dias depois do nosso trabalho, eu tive a ideia de ir a um evento em que eu pensei que ele poderia estar, só para ver como me sentia! Mas não fui (era um funeral, não era o lugar mais agradável para testar esse tipo de coisa). Eu me sinto mais confortável com a ideia de me encontrar com ele por acaso. Já é uma grande diferença para mim pensar em procurá-lo versus não ir a certos lugares a fim de evitá-lo. No próximo mês eu vou ter aulas à noite na academia e ele provavelmente vai estar lá se exercitando, então vou poder testar na prática!"
Cerca de 3 semanas depois, Sally me enviou outro e-mail: "Eu o vi hoje! Antes, se eu o visse, mesmo de longe, eu teria uma súbita descarga de adrenalina, seguida por um tipo de raiva onde você não consegue pensar direito, e depois ficaria remoendo sobre o fato por cerca de 10 a 15 minutos. Hoje, num relance, o vi, e tive o pensamento: "Ugh, não quero nem falar com ele". Aí olhei para o outro lado e continuei caminhando. Tive uma ponta de irritação que sumiu em menos de 4 segundos, e eu nem sequer voltei a pensar de novo no assunto. Foi agora que eu me lembrei de lhe mandar um e-mail. Foi fantástico! Obrigada."
Essas sessões foram agradáveis, e fui muito além do meu plano original de apenas reunir informações sobre o ódio. Entretanto, as pessoas com quem conversei já tinham reconhecido as dificuldades do ódio, ou já tinham experimentado a transformação do ódio em perdão ou aceitação (como eu havia pedido anteriormente no meu blog) de modo que isso significava que elas já estavam dispostas a ir além.
Eu gostaria de saber mais sobre o ódio extremo de alguém que está completamente satisfeito em odiar. Se você souber de alguém, peça que entre em contato pelo e-mail. Por favor, faça isso em uma base individual - eu não estou enviando esse pedido a nenhum grupo organizado. Minha intenção é simplesmente aprender como eles fazem o que fazem, e não há nenhuma tentativa de mudá-los.
O artigo original "Resolving Hate" encontra-se no Blog de Steve Andreas.



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