ALGUM DIA, NUM FUTURO NÃO MUITO DISTANTE, UM HISTORIADOR
escreverá um relato interessante. Durante 200 anos, ele dirá, mais
ou menos entre 1850 e 2050, existiu um fenômeno chamado “mercado de trabalho”.
Nele, uma pessoa se associava a uma empresa, em uma condição formal conhecida
como “vínculo empregatício”. Em troca do aluguel mensal de seu tempo e de seu
talento, essa pessoa recebia várias compensações. A principal delas era um
pagamento fixo. Mas havia muito mais. Férias anuais, assistência médica, um salário
extra por ano, aposentadoria, cesta básica, vale-transporte, vale-refeição. E tudo isso,
independentemente da situação que a empresa estivesse atravessando. Uma
O historiador ponderará, também, que nada parecido com isso existiu
no longo período decorrido desde as primeiras civilizações, na ancestral
Mesopotâmia, até o século XIX de nossa era. Durante esse tempo, existiram os
camponeses, que plantavam para o proprietário das terras e ficavam com uma ínfima
parte da colheita, para seu próprio sustento. Existiram soldados, que recebiam um
soldo e eram autorizados a saquear as cidades conquistadas para melhorar seu
orçamento. Existiram escravos, vítimas de uma barbárie social que perdurou até o
final do século XIX. Existiram religiosos, cujo sustento era provido pelos fiéis. E
existiram mercadores e comerciantes autônomos. O que hoje chamaríamos de
“empregados” - pessoas que prestavam um serviço continuado, por um salário fixo -
não perfaziam mais que 1% da população. Sendo que a grande maioria estava
engajada no serviço público.
Foi o advento do mercado de trabalho que transferiu a maior parte das
populações do campo para a cidade. A atração estava nos benefícios delongo prazo,
inexistentes nas roças, e na possibilidade de uma carreira profissional. Esse
fenômeno atingiu seu auge no período entre 1940 e 1990. A partir daí, a curva
começou a se inverter. A possibilidade de um bom emprego em uma boa empresa
passou a ficar mais difícil. E a quantidade de autônomos começou,
proporcionalmente, a aumentar.
Mas os jovens que entraram no mercado de trabalho a partir de 1990
não sabiam que estavam no ponto de inflexão da história. Suas referências eram
aquelas que seus pais lhes transmitiram: estude, arranje um emprego, e você poderá
desfrutar das delícias da classe média trabalhadora pelo resto de sua vida. Hoje, 500
mil jovens se formam anualmente no Brasil. E partem em busca de uma realidade
que está deixando lentamente de existir: a das cinco últimas gerações, que puderam
tirar proveito de um mercado em que havia mais vagas do que candidatos.
É exatamente esse momento de transição que eu venho tentando
traduzir em meus artigos para a revista Época e em meus comentários diários para a
Rádio CBN. Minha melhor credencial é também a mais óbvia: eu trabalhei adoidado.
Filho de um mecânico e de uma tecelã, que jamais na vida conseguiram ganhar mais
que dois salários mínimos por mês, eu posso dizer que tive um pouco de
competência e muita sorte. A sorte foi a de ter entrado no mercado de trabalho em
seu momento mais glorioso, a era do milagre econômico brasileiro, quando havia um
emprego em cada esquina. A competência foi a de ter entendido as regras desse
mercado. Isso me permitiu construir uma carreira que foi muito além do que eu,
quando tinha 18 anos, poderia sonhar.
Há 7 anos, eu decidi deixar de viver esse mundo corporativo por dentro
e passar a olhá-lo de fora. Deixei a presidência de uma empresa para ser escritor e
palestrante. Duas atividades nas quais minha experiência era zero. Na época, meus
amigos mais generosos me chamaram de “inconseqüente”. Os mais sinceros, de
“debilóide”. Embora o tempo tenha provado que essa foi a decisão mais sensata que
eu tomei na vida, ela já vinha sendo amadurecida havia anos. Eu tinha a consciência
de que o mercado de trabalho iria se transformar, rápida e radicalmente. E queria
poder dizer isso para o maior número possível de pessoas. Principalmente os jovens,
para que eles não se iludissem. E para os profissionais satisfeitos demais, para que
eles não fossem apanhados desprevenidos. E, novamente, dei sorte. Já comecei
escrevendo para as duas maiores revistas de negócios do Brasil. Só que, dessa vez, a
sorte tinha nomes e sobrenomes: Paulo Nogueira, Diretor do Grupo Exame, e Maria
Tereza Comes, na época redatora e mais tarde Diretora de Redação da Você S/A.
Nessa minha nova carreira de cronista corporativo, a Rádio CBN foi
uma dádiva. Ela é um enorme alto-falante. E me permitiu aumentar meu público,
tanto em quantidade - de milhares de leitores para milhões de ouvintes - quanto em
freqüência - de artigos mensais ou quinzenais para comentários diários. Mas toda
história sempre tem um começo. Um dia, a Mariza Tavares, Diretora da CBN, me
ligou. E me perguntou, assim, na lata: “Além de escrever, você também sabe falar?”.
E eu pensei comigo: “Bom, eu deveria saber, pelo menos por decurso de prazo, já
que aprendi a falar cinco anos antes de aprender a escrever.” Mas, dias depois, ao
conversar com a Mariza sobre os finalmentes, eu ainda tinha um monte de dúvidas.
E ela, nenhuma. Obrigado, Mariza.
O resultado de toda essa história é este livro. Ele não pretende ensinar
nada, nem ditar regras. O mundo corporativo já tem regras demais. O objetivo é o de
gerar reflexões. Aqui estão os textos integrais dos 120 comentários que provocaram
mais reações da parte dos ouvintes. A favor ou contra. E esse é exatamente o ponto.
Recordar é viver. Discordar é mostrar que estamos vivos.
Max Gehringer
* Irei pubicar um capítulo por dia.
ou menos entre 1850 e 2050, existiu um fenômeno chamado “mercado de trabalho”.
Nele, uma pessoa se associava a uma empresa, em uma condição formal conhecida
como “vínculo empregatício”. Em troca do aluguel mensal de seu tempo e de seu
talento, essa pessoa recebia várias compensações. A principal delas era um
pagamento fixo. Mas havia muito mais. Férias anuais, assistência médica, um salário
extra por ano, aposentadoria, cesta básica, vale-transporte, vale-refeição. E tudo isso,
independentemente da situação que a empresa estivesse atravessando. Uma
O historiador ponderará, também, que nada parecido com isso existiu
no longo período decorrido desde as primeiras civilizações, na ancestral
Mesopotâmia, até o século XIX de nossa era. Durante esse tempo, existiram os
camponeses, que plantavam para o proprietário das terras e ficavam com uma ínfima
parte da colheita, para seu próprio sustento. Existiram soldados, que recebiam um
soldo e eram autorizados a saquear as cidades conquistadas para melhorar seu
orçamento. Existiram escravos, vítimas de uma barbárie social que perdurou até o
final do século XIX. Existiram religiosos, cujo sustento era provido pelos fiéis. E
existiram mercadores e comerciantes autônomos. O que hoje chamaríamos de
“empregados” - pessoas que prestavam um serviço continuado, por um salário fixo -
não perfaziam mais que 1% da população. Sendo que a grande maioria estava
engajada no serviço público.
Foi o advento do mercado de trabalho que transferiu a maior parte das
populações do campo para a cidade. A atração estava nos benefícios delongo prazo,
inexistentes nas roças, e na possibilidade de uma carreira profissional. Esse
fenômeno atingiu seu auge no período entre 1940 e 1990. A partir daí, a curva
começou a se inverter. A possibilidade de um bom emprego em uma boa empresa
passou a ficar mais difícil. E a quantidade de autônomos começou,
proporcionalmente, a aumentar.
Mas os jovens que entraram no mercado de trabalho a partir de 1990
não sabiam que estavam no ponto de inflexão da história. Suas referências eram
aquelas que seus pais lhes transmitiram: estude, arranje um emprego, e você poderá
desfrutar das delícias da classe média trabalhadora pelo resto de sua vida. Hoje, 500
mil jovens se formam anualmente no Brasil. E partem em busca de uma realidade
que está deixando lentamente de existir: a das cinco últimas gerações, que puderam
tirar proveito de um mercado em que havia mais vagas do que candidatos.
É exatamente esse momento de transição que eu venho tentando
traduzir em meus artigos para a revista Época e em meus comentários diários para a
Rádio CBN. Minha melhor credencial é também a mais óbvia: eu trabalhei adoidado.
Filho de um mecânico e de uma tecelã, que jamais na vida conseguiram ganhar mais
que dois salários mínimos por mês, eu posso dizer que tive um pouco de
competência e muita sorte. A sorte foi a de ter entrado no mercado de trabalho em
seu momento mais glorioso, a era do milagre econômico brasileiro, quando havia um
emprego em cada esquina. A competência foi a de ter entendido as regras desse
mercado. Isso me permitiu construir uma carreira que foi muito além do que eu,
quando tinha 18 anos, poderia sonhar.
Há 7 anos, eu decidi deixar de viver esse mundo corporativo por dentro
e passar a olhá-lo de fora. Deixei a presidência de uma empresa para ser escritor e
palestrante. Duas atividades nas quais minha experiência era zero. Na época, meus
amigos mais generosos me chamaram de “inconseqüente”. Os mais sinceros, de
“debilóide”. Embora o tempo tenha provado que essa foi a decisão mais sensata que
eu tomei na vida, ela já vinha sendo amadurecida havia anos. Eu tinha a consciência
de que o mercado de trabalho iria se transformar, rápida e radicalmente. E queria
poder dizer isso para o maior número possível de pessoas. Principalmente os jovens,
para que eles não se iludissem. E para os profissionais satisfeitos demais, para que
eles não fossem apanhados desprevenidos. E, novamente, dei sorte. Já comecei
escrevendo para as duas maiores revistas de negócios do Brasil. Só que, dessa vez, a
sorte tinha nomes e sobrenomes: Paulo Nogueira, Diretor do Grupo Exame, e Maria
Tereza Comes, na época redatora e mais tarde Diretora de Redação da Você S/A.
Nessa minha nova carreira de cronista corporativo, a Rádio CBN foi
uma dádiva. Ela é um enorme alto-falante. E me permitiu aumentar meu público,
tanto em quantidade - de milhares de leitores para milhões de ouvintes - quanto em
freqüência - de artigos mensais ou quinzenais para comentários diários. Mas toda
história sempre tem um começo. Um dia, a Mariza Tavares, Diretora da CBN, me
ligou. E me perguntou, assim, na lata: “Além de escrever, você também sabe falar?”.
E eu pensei comigo: “Bom, eu deveria saber, pelo menos por decurso de prazo, já
que aprendi a falar cinco anos antes de aprender a escrever.” Mas, dias depois, ao
conversar com a Mariza sobre os finalmentes, eu ainda tinha um monte de dúvidas.
E ela, nenhuma. Obrigado, Mariza.
O resultado de toda essa história é este livro. Ele não pretende ensinar
nada, nem ditar regras. O mundo corporativo já tem regras demais. O objetivo é o de
gerar reflexões. Aqui estão os textos integrais dos 120 comentários que provocaram
mais reações da parte dos ouvintes. A favor ou contra. E esse é exatamente o ponto.
Recordar é viver. Discordar é mostrar que estamos vivos.
Max Gehringer
* Irei pubicar um capítulo por dia.
Nenhum comentário:
Postar um comentário