quarta-feira, 28 de julho de 2010

Ladrões de tempo


Por Cléia Schmitz

Telefone celular, internet, centralização do poder e mania de perfeccionismo. De acordo com o consultor Renato Bernhoeft, esses são os maiores inimigos de uma agenda organizada
[[F175 E]]Quem nunca quis que o dia tivesse 36 horas para dar conta de todas as tarefas? Se esta sensação é muito comum na sua vida, provavelmente você precisa distribuir e aproveitar melhor cada hora de seu precioso dia. “Quem sabe administrar o tempo vive mais e melhor”, afirma o consultor de empresas Renato Bernhoeft, autor de dois livros sobre o tema: Deperdiçadores de Tempo e Administração do Tempo, ambos pela Editora Nobel. Ele lembra que a exigência de fazer mais atividades num espaço de tempo cada vez mais curto acaba levando as pessoas à ansiedade, à insatisfação e à depressão. 

Na entrevista a seguir Bernhoeft fala do desafio de enfrentar os maiores ladrões do tempo como o telefone celular, a internet, a centralização do poder e a mania de perfeccionismo. O consultor ainda ressalta a importância de equilibrar as horas entre vida conjugal, familiar, social, educacional e profissional. “De nada adianta ser um profissional de muito sucesso e um pai, marido ou amigo muito de mal com a vida.” Antes de começar a ler a entrevista, experimente desligar o celular por uns minutinhos e aproveite para aprender como administrar melhor o seu tempo.
Dirigente Lojista – É fácil administrar o tempo?Bernhoeft – Administrar tempo requer disciplina, determinação e uma clara filosofia de vida que valoriza e tem clareza da sua importância.
DL – Que tipo de procedimentos podem facilitar a administração do tempo? Existe uma fórmula?Bernhoeft – Não confio nas “receitas” muito estruturadas. Minhas recomendações básicas são compreender que tempo é mais importante que dinheiro, ele é inelástico – não dá para ampliar ou encurtar – e irreversível – não pode ser estocado, guardado ou sequer resgatado. Dinheiro perdido até que se pode conseguir outra vez, mas o dia tem apenas 24 horas, e a hora, 60 minutos. Usar o tempo não é apenas uma questão de forma, mas de efeito. Ou seja, importa muito mais analisar qual é a sensação que o uso do tempo provoca em você do que ficar buscando fórmulas mágicas para administrá-lo.
DL – Como saber quando é hora de administrar melhor o tempo?Bernhoeft – O desconforto é um indicador claro de que algo precisa ser feito. Neste sentido, recomendo começar alguma ação pelos fatores que geram ansiedade. Exemplos: mesa atulhada de papéis; o excesso de interrupções pelo telefone; o entrar e sair de gente da sala; filhos demandando atenção; parceiro ou parceira cobrando carinho ou tempo; trânsito lento; não desligar o celular ou lap-top. Reduza os fatores que causam ansiedade como primeiro passo para melhorar sua qualidade de vida. Enfim, tenha em mente que uma administração dos efeitos do uso do tempo em sua vida poderá levá-lo a uma vida melhor.
DL – Muitas vezes nossas tarefas dependem de terceiros, que nem sempre cumprem horários estabelecidos. Como ser senhor do próprio tempo e administrar esses contratempos?Bernhoeft – A dependência de terceiros é inevitável em certas situações. Algumas sugestões práticas para evitar imprevistos: quando solicitado por um terceiro, peça uma definição sobre a prioridade do assunto que será tratado. Outra dica é aprender e desenvolver sua capacidade de dizer “não” de forma educada, sem ofender ninguém. 


DL – Novas tecnologias como o telefone celular e a internet surgem prometendo facilitar a nossa vida, mas acabam como potenciais ladrões do tempo. Como impor limites?Bernhoeft – A tecnologia moderna vem com um discurso de facilitar e melhorar a vida das pessoas. Isto não é necessariamente uma verdade. Se as pessoas não estabelecerem limites, estes recursos vão aumentar o problema de tempo. Andar com celular ligado o tempo todo e ter computador em casa podem aumentar o mau uso do tempo além de comprometer a qualidade de vida e as relações conjugais e familiares. Cuidado para não deixar que sua vida pessoal fique tomada por compromissos e informações profissionais. Um dos desafios dos tempos modernos é administrar uma equação entre algo finito e demandas infinitas. O tempo, a vida e a capacidade de atenção são finitos. Mas as informações disponíveis e as demandas do mundo moderno tendem a ser infinitas. Se você não estabelecer limites, pode virar estresse sem solução, e os efeitos disso são muito graves.
DL – Além do celular e da internet, quais são os outros maiores desperdiçadores do tempo?Bernhoeft – Um deles é a falta ou incapacidade para fixar prioridades. É bom lembrar que prioridade é algo que é urgente e importante – e que nem tudo que é considerado importante é urgente, e vice-versa. Atender a vários assuntos ao mesmo tempo também é uma forma de desperdiçar minutos preciosos, assim como a indefinição de responsabilidades do cargo e o estilo centralizador ou detalhista. Outro problema que custa tempo são subordinados mal treinados, simplesmente porque eles demandam mais da chefia. Mas é bom saber que isso às vezes vira um jogo, ou seja, o chefe também não treina porque assim se torna insubstituível. É muito comum esse tipo de chefe detalhista e centralizador. De maneira geral, nas empresas com carreiras verticais ocorrem muito esses problemas. O vendedor é promovido a supervisor de vendas pela sua competência técnica e não de gestão. Daí, como ele não sabe delegar, acaba levando com ele todas as atividades porque não treina os subordinados. 



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DL – Por que as pessoas têm tanta dificuldade em fixar prioridades? Seria pela falta de objetivos? Uma empresa que fixa metas ajuda o funcionário a administrar melhor o seu tempo?Bernhoeft – Eu acho que a questão é mais ampla, não basta as empresas fixarem metas. Nos seminários em que participamos percebemos que o que as pessoas levam de conhecimento é o que elas vão usar para a sua vida pessoal. Portanto, não adianta nada introduzir uma agenda na empresa se a pessoa não adotou para si um tipo de conduta semelhante. Ela pode até usar a agenda mecanicamente, mas não vai funcionar corretamente. Este é um problema cultural, nós não somos educados para estabelecer prioridades. Nosso processo educativo não é reflexivo, ele é muito decoreba. E uma maneira de estabelecer prioridades é parar e olhar o momento que estamos vivendo para identificar quais são as nossas prioridades. Na maioria dos casos as pessoas vão levando a vida, ou pior, são levadas e acabam não assumindo ser protagonistas de sua própria vida. Na empresa ainda existe um elemento atenuante. Se o chefe chega com mais uma tarefa, o funcionário pode pedir para ele decidir quais são as atividades prioritárias naquele momento. Mas na vida pessoal a decisão só cabe à pessoa, e o que percebemos é que todo projeto de “cuidar da minha vida” é sempre para o futuro. Isso é um pouco decorrente da cultura religiosa, a promessa do reino dos céus – sofrer na terra para ganhar a felicidade da vida eterna. Vejamos o conceito de hobby, forma de tornar o tempo ocioso produtivo. Ele mostra a dificuldade de convivermos com o ócio. Aliás, ócio é um conceito de origem calvinista, que dizia que trabalho é forma de adoração e o ócio é pecado. 
DL – No mundo em que vivemos família e lazer acabam ficando sempre em segundo plano em detrimento do trabalho. Muitas pessoas – os chamados workaholics – se sentem culpadas nas horas de lazer, geralmente devido a pendências no trabalho. Como evitar esse problema e manter um equilíbrio?Bernhoeft – A questão tempo deve ser analisada nos vários papéis que vivemos. São eles: individual conjugal, familiar, social, educacional e profissional. De nada adianta ser um profissional de muito sucesso e um pai, marido ou pessoa muito de mal com a vida. Privilegiar apenas a carreira tem levado muitos executivos à depressão. A premissa de que o sucesso profissional implica, necessariamente, o comprometimento da vida pessoal tem levado muitos executivos a uma descoberta tardia de que o preço pode ser muito alto. O final nem sempre tem sido feliz para a vida destes profissionais. É importante também não culpar os outros. Torne-se agente da sua mudança e colha os resultados.
DL – É comum encontrar empresários que não lembram das últimas férias. Quais as conseqüências deste costume?Bernhoeft – Férias não são a única necessidade que as pessoas têm. Todo mundo deve considerar momentos de isolamento. É quando estamos conosco e fazemos nossos “balanços”. Ter momentos de reflexão e parada é fundamental para todos; não é apenas uma questão de lazer. E para isto não se necessita férias.


DL – O que o lojista deve fazer para que seus funcionários também aprendam a administrar o tempo e, conseqüentemente, produzam mais?Bernhoeft – Divulgue idéias e informações sobre administração do tempo entre os seus funcionários. Especialmente estimule-os a olhar sua vida fora da empresa como algo importante. Funcionários felizes trabalham mais e melhor, não há dúvida.
DL – Quais os benefícios de quem sabe administrar o tempo?Bernhoeft – Com certeza vive melhor e pode viver mais. Como hoje houve uma ampliação da vida com instrumentos que facilitam a longevidade, o ideal é fazer isto com qualidade. E o tempo é um dos recursos mais preciosos para se conseguir esta qualidade de vida.

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