terça-feira, 24 de maio de 2011

DISSERTACÂO DE MESTRADO NA USP por um PSICÓLOGO



O psicólogo social Fernando Braga da Costa vestiu uniforme e trabalhou um mês como gari, varrendo ruas da Universidade de São Paulo. 
Ali,constatou que, ao olhar da maioria, os trabalhadores braçais são 'seres
invisíveis, sem nome'. 
Em sua tese de mestrado, pela USP, conseguiu comprovar a existência da 'invisibilidade pública', ou seja, uma percepção humana totalmente prejudicada e condicionada à divisão social do trabalho, onde enxerga-se somente a função e não a pessoa. Braga trabalhava apenas meio período como gari, não recebia o salário de R$ 400 como os colegas de vassoura, mas garante que teve a maior lição
de sua vida:

'Descobri que um simples bom dia, que nunca recebi como gari, pode
significar um sopro de vida, um sinal da própria existência', explica o
pesquisador.

O psicólogo sentiu na pele o que é ser tratado como um objeto e não como um ser humano. 
'Professores que me abraçavam nos corredores da USP passavam por mim, não me reconheciam por causa do uniforme. Às vezes, esbarravam no meu ombro e, sem ao menos pedir desculpas, seguiam me ignorando, como se tivessem encostado em um poste, ou em um orelhão', diz.
No primeiro dia de trabalho paramos pro café. Eles colocaram uma garrafa térmica sobre uma plataforma de concreto. Só que não tinha caneca. Havia um clima estranho no ar, eu era um sujeito vindo de outra classe, varrendo rua com eles. Os garis mal conversavam comigo, algunsse aproximavam para ensinar o serviço. 
Um deles foi até o latão de lixo pegou duas latinhas de refrigerante cortou as latinhas pela metade e serviu o café ali, na latinha suja e grudenta. E como a gente estava num grupo grande, esperei que eles se servissem primeiro.
Eu nunca apreciei o sabor do café. Mas, intuitivamente, senti que deveria tomá-lo, e claro, não livre de sensações ruins. Afinal, o cara tirou as latinhas de refrigerante de dentro de uma lixeira, que tem sujeira, tem formiga, tem barata, tem de tudo. No momento em que empunhei a caneca improvisada, parece que todo mundo parou para assistir à cena, como se perguntasse:
'E aí, o jovem rico vai se sujeitar a beber nessa caneca?' E eu bebi.
Imediatamente a ansiedade parece que evaporou. Eles passaram a conversar comigo, a contar piada, brincar.

O que você sentiu na pele, trabalhando como gari?
Uma vez, um dos garis me convidou pra almoçar no bandejão central. 
Aí eu entrei no Instituto de Psicologia para pegar dinheiro, passei pelo
andar térreo, subi escada, passei pelo segundo andar, passei na biblioteca, desci a escada, passei em frente ao centro acadêmico, passei em frente a lanchonete, tinha muita gente conhecida. Eu fiz todo esse trajeto e ninguém em absoluto me viu. 
Eu tive uma sensação muito ruim. O meu corpo tremia como se eu não o dominasse, uma angustia, e a tampa da cabeça era como se ardesse, como se eu tivesse sido sugado. Fui almoçar, não senti o gosto da comida e voltei para o trabalho atordoado.
E depois de um mês trabalhando como gari? Isso mudou?
Fui me habituando a isso, assim como eles vão se habituando também a situações pouco saudáveis. Então, quando eu via um professor se aproximando - professor meu - até parava de varrer, porque ele ia passar por mim, podia trocar uma idéia, mas o pessoal passava como se tivesse passando por um poste, uma árvore, um orelhão.
E quando você volta para casa, para seu mundo real?
Eu choro. É muito triste, porque, a partir do instante em que você está
inserido nessa condição psicossocial, não se esquece jamais. 
Acredito que essa experiência me deixou curado da minha doença burguesa. 
Esses homens hoje são meus amigos. Conheço a família deles, freqüento a casa deles nas periferias. Mudei. Nunca deixo de cumprimentar um trabalhador. 
Faço questão de o trabalhador saber que eu sei que ele existe. 
Eles são tratados pior do que um animal doméstico, que sempre é chamado pelo
nome. São tratados como se fossem uma 'COISA'.

*Ser IGNORADO é uma das piores sensações que existem na vida!
Respeito: passe adiante!
 

domingo, 22 de maio de 2011

Os aiatolás do idioma insistem na vigarice lucrativa e levam mais um troco do escritor Deonísio da Silva


A Ação Educativa, irmandade que congrega a turma que acha que falar errado está certo, divulgou uma Nota Pública em que agradece “o apoio da comunidade científica e dos especialistas no ensino da língua” ao livro “Por uma vida melhor”, também conhecido como “Nós pega o peixe”. Ainda grogues com a vigorosa reação dos brasileiros sensatos, os aiatolás do idioma resolveram fazer de conta que ganharam a briga para não perder o acesso aos cofres do MEC, que publica essas lucrativas vigarices com o patrocínio involuntário dos que pagam impostos. Vejam a nota que viola o artigo 171 do Código Penal. E leiam em seguida outro merecidíssimo corretivo aplicado pelo escritor e professor Deonísio da Silva. Assim será até que a turma que deseduca aprenda que o dever de um professor é ensinar. (AN)

NOTA PÚBLICA
Alguns dias depois do início da polêmica em torno de uma frase retirada da obra “Por uma vida melhor”, o debate ganha argumentos mais qualificados na imprensa. Autores como Marcos Bagno (UnB), Sírio Possenti (Unicamp), Carlos Alberto Faraco (UFPR), Magda Soares Becker (UFMG) e tantos outros vieram a público se posicionar sobre a polêmica, que classificaram como “falsa” e “vazia”.
Com exceção de alguns que insistem em insinuar que o livro “ensina errado”, parece ter ficado claro à opinião pública que o objetivo da obra é ensinar a norma culta, sim, mas a partir da consideração de variantes populares do idioma que o adulto traz consigo ao chegar à escola. Em outras palavras, o livro mostra a frase “Nós pega” para, em seguida, ensinar a forma “Nós pegamos”. Infelizmente, ao pinçar apenas a primeira parte, a notícia publicada em um blog de política do IG e reproduzida por outros veículos não trazia elementos de contextualização a seus leitores.
Lamentamos a postura de alguns parlamentares que se apropriaram da discussão de maneira superficial e usam o episódio para atacar opositores e criar novas falsas polêmicas. Como corretamente publicou a Folha de S. Paulo (18/5), o livro segue as normas dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), vigentes desde 1997.
Sabemos que o debate público é fundamental para promover a qualidade e equidade na educação, e reafirmamos nossa disposição em participar de toda discussão nesses termos.
RESPOSTA DE DEONÍSIO DA SILVA
1) No ensino fundamental e médio há a disciplina Linguística? Não! Os professores são pagos para ensinar Português!
2) Vamos conceder, apenas para argumentar, que o livro em questão ensine Linguística. Por que o MEC deveria comprar cerca de 500 000 exemplares desse título para distribuir em todas as escolas do ensino fundamental e médio? Linguística é matéria dos Cursos de Letras!
3) Muitos dos professores que defendem esses crimes de lesa-língua estão apavorados com a reação da sociedade. Para defender o que defendem, ganham bolsas de CNPQ, do CNPQ do B, de outras financiadoras de projetos etc. Enfim, para tudo há dinheiro público, nossa carga tributária é inversamente proporcional às posições do Brasil nas classificações de educação e cultura: os tributos estão lá em cima, os serviços prestados, lá embaixo!
4) Esses professores são dispensados de trabalhos nas universidades, onde deveriam dar mais aulas, justamente para “pesquisar” isso! Se só fazem isso, ganham muito mais do que valem! Se depois de tantos anos chegaram ao português de analfabetos, o que fizeram esses anos todos? Pesquisa? Bem, decerto não é à toa que até Stálin meteu-se com Linguística e ensino de russo! Sim, o Stálin é autor de um livro de Linguistica! Por que ignoram na bibliografia o colega? Medo? De quê? O Céline é fascista, eu abomino o fascismo, qualquer fascismo, mas a-do-ro os romances dele!
5) Há uma questão de fundo na qual, ao que saiba, ninguém tocou. Ou, se tocou, não li os artigos. Eles querem falar mal de Fernando Henrique Cardoso, que escreve melhor do que eles. Uma vez, FHC escorregou num “propiamente” e eles caíram de pau, mas Lula pode tudo, é um 007 que tem licença para matar a pauladas a língua portuguesa, a lógica, a coerência, a coesão, o estilo, o bom gosto etc, onde quer que os encontre! E quando o apedeuta fala, para muitos deles, como a célebre doutora, tudo se ilumina!
6) Por que defendem uma língua que não usam? Ascenderam socialmente com a língua que defendem? Não! Por que negam o mesmo direito aos outros? Machado – preto, pobre, epiléptico, gago etc – venceu todos os preconceitos, menos o de quem ainda não leu o gênio! Um dia desses o Moacir Japiassu demonstrou que um deles confundiu OC I, 1093, indicando a Obra Completa (de Machado de Assis), com um texto de Osório Cochat, e estranhou a falta de intimidade do professor com Machado de Assis e sua inabilidade ou pressa em consultar bibliografias.
7) É raro um professor vir a público para reforçar a norma culta. É mais frequente que venha para espinafrar quem defenda os bons costumes na língua e para justificar que cada um deve escrever como lhe apraz, seja canela ou sassafrás. Mas não praticaram as transgressões gramaticais que tanto defendem para obter seus títulos e serem aprovados em provas e entrevistas que os qualificaram para ensinar em escolas e universidades, do contrário teriam sido reprovados.
8 ) Há uma sede do público por aprender língua portuguesa. Não é por acaso que grandes jornais e grandes empresas procuram ter em seus quadros referências solares da técnica e da arte de escrever. Profissionais como Sérgio Nogueira no sistema Globo; Pasquale Cipro Neto, na Folha de S.Paulo; Cláudio Moreno, no jornal Zero Hora; Dad Squarisi, no Correio Braziliense. Português é difícil? Dad Squarisi nasceu no Líbano e hoje ensina os brasileiros a escrever: sua coluna “Dicas de Português” é publicada em 15 jornais.
Enfim, se há quem se esmere tanto em cuidar, isso é sintoma de que escolas e universidades estão falhando em outra técnica e em outra arte: a de ensinar. É por isso também que muitos jovens inteligentes abandonam os professores no meio do caminho e desistem dos cursos que faziam e vão trabalhar ou aprender em outro lugar, pois têm mais o que fazer do que ouvir besteiras!

Condenado pelos médicos e nutricionistas, o jejum tem se tornado popular para limpar o corpo e acalmar a mente LUÍZA KARAM LIMPEZA A apresentadora Glória Maria, em sua casa, no Rio de Janeiro. Três vezes ao ano, ela passa dez dias sem comer, para eliminar toxinas A apresentadora Glória Maria diz que se desespera durante seus períodos de jejum. Três vezes ao ano, ela reserva dez dias para ingerir apenas pílulas com nutrientes, xaropes naturais e chás. Comida mesmo, aquela de encher os olhos, é rigorosamente proibida. Mas o desespero relatado por ela não vem da privação. “Eu me sinto tão bem durante o jejum que fico angustiada quando está para acabar”, diz. Glória não está sozinha em sua opção pela fome autoimposta. Como ela, um grupo cada vez maior de pessoas, no mundo todo, está descobrindo os prazeres e benefícios de fechar a boca durante alguns dias. É o jejum laico. Em vez de almejar o êxtase espiritual ou o perdão divino, ele promete uma espécie de pureza que tem afinidade com o universo místico, mas se expressa na linguagem das dietas e dos processos metabólicos. “O jejum funciona como uma desintoxicação: limpa meu organismo de impurezas para me manter saudável. Tenho mais vontade de trabalhar e meu humor melhora”, diz Glória. Condenado por médicos e nutricionistas, o jejum está ganhando respaldo até de estudos científicos. As pesquisas sugerem que jejuar diminui os riscos de doenças cardiovasculares, como diabetes e hipertensão. E pode até prolongar a vida. Para os praticantes, a abstinência alimentar é também um grito de liberdade. Eles deixam de viver em função do relógio (afinal, as refeições acabam ditando o ritmo do dia). Prestam mais atenção nos pensamentos do que no estômago. Voltam-se para si. O ator Licurgo Spinola, de 44 anos, faz parte desse grupo. Todo mês, ele jejua por três dias. Só toma água, quase 5 litros por dia. “Desvencilhar-se de situações mundanas, como o horário das refeições, é uma lavagem espiritual”, diz Spinola, que aderiu à prática há três anos, depois de ler a biografia de Mahatma Gandhi. Spinola diz ter descoberto que o líder indiano que fez do jejum uma arma política também usava a prática para curar gripes e resfriados. Velho como a própria fome, o jejum faz parte do cotidiano de muitas religiões. Os católicos não comem carne vermelha na Sexta-Feira Santa. Os judeus se abstêm de comer seis dias por ano. Os muçulmanos jejuam da alvorada ao anoitecer durante todo o mês do ramadã, o nono mês do calendário islâmico. É uma forma de intensificar a reflexão e a concentração nas orações e de se sacrificar pelo perdão dos pecados. É também uma maneira tradicional de demonstrar devoção. Os adeptos da nova vertente de jejum, porém, subverteram a prática histórica de oferenda e sacrifício, sem eliminar seu caráter de purificação. Apenas a divindade se tornou interior. “Em meio ao cotidiano caótico, mostrar que somos capazes de controlar nossa vida em pelo menos um aspecto é a maneira de criar uma ilha de segurança”, diz o psicanalista Christian Dunker, professor da Universidade de São Paulo. Na Alemanha, 11 clínicas usam o jejum para tratar doenças que vão de estresse a reumatismo Ter poder sobre uma necessidade imposta pela natureza é a primeira recompensa dos jejuadores. Ele se manifesta já nas primeiras horas de jejum, quando os praticantes descobrem a diferença entre fome e vontade de comer (e quão inebriante é o cheirinho de qualquer prato de comida). “Percebo que não preciso comer naquele momento, que é só gula”, diz Spinola. O corpo manifesta fome duas ou três horas após a última refeição. Nesse momento, já foi usado todo o estoque de glicose, o combustível básico das células, obtido a partir da quebra de carboidratos. Como o organismo precisa de energia, lança mão de reservas: moléculas complexas guardadas no fígado, o glicogênio. Quando até ele acaba, a opção são as gorduras. O processo de queima de gordura gera substâncias chamadas corpos cetônicos. Eles ajudam a inibir a sensação de fome, mas produzem aquele hálito característico de estômago vazio. Os praticantes juram que essa é a única desvantagem. “Eu fico menos ansiosa”, diz a professora de ioga Mariana Maya, de 43 anos. Ela diz que começou a fazer jejum porque se sentia irritada sem motivo. Resolveu passar por um sacrifício. E descobriu que ele lhe fazia bem. “Sinto uma paz que nunca havia experimentado. A mente fica mais leve”, diz Mariana, que jejua desde 2006, pelo menos duas vezes por ano. São três dias à base de água. “O jejum me dá equilíbrio físico e mental.” SÓ ÁGUA O ator Licurgo Spinola e a professora de ioga Mariana Maya. Eles passam três dias apenas bebendo água para relaxar a mente Os benefícios da prática já são usados com fins medicinais. Na Alemanha, há pelo menos 11 clínicas que usam o jejum para tratar males que vão de doenças de pele a estresse. Uma das mais famosas fica na cidade de Bad Pyrmont e é mantida pela família do médico Otto Buchinger. Ele teria se curado de reumatismo em 1919 depois de manter uma dieta exclusivamente de sopas e tornou-se o guru do “jejum terapêutico”. “Enquanto jejua, o paciente melhora sua saúde, mas ele terá negligenciado a coisa mais importante se a fome de alimento espiritual, que se manifesta durante o jejum, não for satisfeita”, ele escreveu. Hoje, quem cuida da clínica, que recebe 1.500 pacientes por ano, é Andreas, neto de Buchinger. “O jejum aprimora o funcionamento do corpo”, diz ele. O tratamento completo dura 21 dias (para quem sofre de reumatismo são 28 dias). Quando o paciente chega, são feitos exames de sangue e eletrocardiograma. Depois, médicos preparam um cardápio personalizado. O primeiro dia costuma ser dos vegetais. No dia seguinte, é a vez das frutas, seguidas pelo dia do laxante. O jejum começa depois de os intestinos ficarem vazios. Daí para a frente, só se podem ingerir água, caldo de vegetais, suco e chá. A ciência já se interessou pelas supostas propriedades curativas e purificadoras do jejum (leia o quadro abaixo). O neurocientista americano Mark Mattson, coordenador do Laboratório de Neurociências do Instituto Nacional de Envelhecimento, é uma das principais referências nessa área. Ele quer desvendar as razões de um fato conhecido há décadas pela ciência. Uma dieta com poucas calorias ou com jejuns periódicos (em que o paciente toma apenas água) parece aumentar em até 40% a duração da vida. Para Mattson, não há nada de estranho nisso. “O genoma humano adquiriu a capacidade de sobreviver a semanas sem comida porque nossos ancestrais primatas viviam em locais onde o alimento era escasso”, diz Mattson. “Nós nos damos ao luxo de fazer três refeições ao dia há menos de 10 mil anos, algo recente em termos evolutivos.” Em um de seus estudos mais famosos, publicado em 2003 no jornal da Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos, Mattson e sua equipe mostraram que ratos de laboratório submetidos a períodos regulares de jejum (comiam 10% menos do que os outros) eram mais saudáveis e se recuperavam melhor de danos no cérebro. Mattson acredita que o jejum tem um efeito protetor sobre as células. Primeiro, porque diminuir a ingestão de alimentos reduz a produção de moléculas residuais que podem se ligar ao DNA e causar erros de funcionamento (doenças). Outra hipótese para explicar o efeito protetor é a célula entrar em modo de emergência na falta de alimento. Ela se prepararia para situações adversas produzindo proteínas. “Essa defesa seria ativada em células do cérebro, do coração, dos músculos e do fígado”, diz ele. Um grupo de pesquisadores do Instituto do Coração do Centro Médico Intermountain, em Utah, nos Estados Unidos, já teria constatado o reflexo desse efeito protetor sobre seres humanos. Em abril, eles apresentaram um estudo que sugere que jejuar pelo menos uma vez por mês diminui em 58% os riscos de doença nas artérias coronárias, que irrigam o coração. Segundo o cardiologista Benjamin D. Horne, responsável pelo levantamento, os efeitos são resultado da diminuição dos níveis de gordura no sangue. Ele diz acreditar que um dia o jejum periódico ainda será recomendado como tratamento para prevenir doenças coronarianas e o diabetes. Embora essas descobertas pareçam promissoras, ainda é cedo para partilhar o entusiasmo do pesquisador. A pesquisa foi feita com 200 voluntários, entre os quais 180 eram mórmons. Alguns dos preceitos da religião – abster-se de álcool e tabaco – poderiam ser os verdadeiros responsáveis pelos bons índices de saúde. É necessário cautela com os novos estudos porque muitos outros, anteriores, já sugeriram que o jejum pode trazer riscos para a saúde, como hipoglicemia. Os níveis de glicose ficam tão baixos que ocorre tontura, dor de cabeça, desmaios e convulsões. Na falta de alimento, o organismo pode queimar músculos em busca de energia, o que ocasiona perdas musculares. “Se o jejum durar mais de 15 dias, pode causar queda de pressão e até alterar o ritmo cardíaco”, afirma o cardiologista Carlos Daniel Magnoni, da Sociedade Brasileira de Cardiologia. Interromper o jejum também é delicado. Ao deparar com uma quantidade de açúcar no sangue que não encontrava há tempo, o organismo pode liberar muita insulina, desencadeando uma crise de hipoglicemia. Além disso, a realimentação provoca grave queda na quantidade de cálcio e fósforo do sangue. “Isso pode levar até à morte”, diz o nutrólogo Celso Cukier, presidente da Sociedade Brasileira de Nutrição Clínica. No Brasil, não há entidade médica que recomende jejum como dieta ou tratamento de doenças. “A ideia de purificação do organismo pela fome é errada”, diz Cukier. “Não precisamos de medidas drásticas porque já eliminamos os excessos no dia a dia.” Apesar das pesquisas que tentam explicar como o organismo reage à privação de alimentos – e como isso pode ser bom para a saúde –, ainda vai demorar anos para que a ciência chegue a alguma espécie de consenso. Por ora, prestar atenção às quantidades e à qualidade do que ingerimos parece ser a melhor maneira de manter o organismo em equilíbrio.


Condenado pelos médicos e nutricionistas, o jejum tem se tornado popular para limpar o corpo e acalmar a mente A
LUÍZA KARAM
 Stefano Martini
LIMPEZA 
A apresentadora Glória Maria, em sua casa, no Rio de Janeiro. Três vezes ao ano, ela passa dez dias sem comer, para eliminar toxinas 
A apresentadora Glória Maria diz que se desespera durante seus períodos de jejum. Três vezes ao ano, ela reserva dez dias para ingerir apenas pílulas com nutrientes, xaropes naturais e chás. Comida mesmo, aquela de encher os olhos, é rigorosamente proibida. Mas o desespero relatado por ela não vem da privação. “Eu me sinto tão bem durante o jejum que fico angustiada quando está para acabar”, diz. Glória não está sozinha em sua opção pela fome autoimposta. Como ela, um grupo cada vez maior de pessoas, no mundo todo, está descobrindo os prazeres e benefícios de fechar a boca durante alguns dias. É o jejum laico. Em vez de almejar o êxtase espiritual ou o perdão divino, ele promete uma espécie de pureza que tem afinidade com o universo místico, mas se expressa na linguagem das dietas e dos processos metabólicos. “O jejum funciona como uma desintoxicação: limpa meu organismo de impurezas para me manter saudável. Tenho mais vontade de trabalhar e meu humor melhora”, diz Glória.
Condenado por médicos e nutricionistas, o jejum está ganhando respaldo até de estudos científicos. As pesquisas sugerem que jejuar diminui os riscos de doenças cardiovasculares, como diabetes e hipertensão. E pode até prolongar a vida. Para os praticantes, a abstinência alimentar é também um grito de liberdade. Eles deixam de viver em função do relógio (afinal, as refeições acabam ditando o ritmo do dia). Prestam mais atenção nos pensamentos do que no estômago. Voltam-se para si. O ator Licurgo Spinola, de 44 anos, faz parte desse grupo. Todo mês, ele jejua por três dias. Só toma água, quase 5 litros por dia. “Desvencilhar-se de situações mundanas, como o horário das refeições, é uma lavagem espiritual”, diz Spinola, que aderiu à prática há três anos, depois de ler a biografia de Mahatma Gandhi. Spinola diz ter descoberto que o líder indiano que fez do jejum uma arma política também usava a prática para curar gripes e resfriados.
Velho como a própria fome, o jejum faz parte do cotidiano de muitas religiões. Os católicos não comem carne vermelha na Sexta-Feira Santa. Os judeus se abstêm de comer seis dias por ano. Os muçulmanos jejuam da alvorada ao anoitecer durante todo o mês do ramadã, o nono mês do calendário islâmico. É uma forma de intensificar a reflexão e a concentração nas orações e de se sacrificar pelo perdão dos pecados. É também uma maneira tradicional de demonstrar devoção. Os adeptos da nova vertente de jejum, porém, subverteram a prática histórica de oferenda e sacrifício, sem eliminar seu caráter de purificação. Apenas a divindade se tornou interior. “Em meio ao cotidiano caótico, mostrar que somos capazes de controlar nossa vida em pelo menos um aspecto é a maneira de criar uma ilha de segurança”, diz o psicanalista Christian Dunker, professor da Universidade de São Paulo.
Na Alemanha, 11 clínicas usam o jejum para tratar doenças que vão de estresse a reumatismo
Ter poder sobre uma necessidade imposta pela natureza é a primeira recompensa dos jejuadores. Ele se manifesta já nas primeiras horas de jejum, quando os praticantes descobrem a diferença entre fome e vontade de comer (e quão inebriante é o cheirinho de qualquer prato de comida). “Percebo que não preciso comer naquele momento, que é só gula”, diz Spinola. O corpo manifesta fome duas ou três horas após a última refeição. Nesse momento, já foi usado todo o estoque de glicose, o combustível básico das células, obtido a partir da quebra de carboidratos. Como o organismo precisa de energia, lança mão de reservas: moléculas complexas guardadas no fígado, o glicogênio. Quando até ele acaba, a opção são as gorduras. O processo de queima de gordura gera substâncias chamadas corpos cetônicos. Eles ajudam a inibir a sensação de fome, mas produzem aquele hálito característico de estômago vazio.
Os praticantes juram que essa é a única desvantagem. “Eu fico menos ansiosa”, diz a professora de ioga Mariana Maya, de 43 anos. Ela diz que começou a fazer jejum porque se sentia irritada sem motivo. Resolveu passar por um sacrifício. E descobriu que ele lhe fazia bem. “Sinto uma paz que nunca havia experimentado. A mente fica mais leve”, diz Mariana, que jejua desde 2006, pelo menos duas vezes por ano. São três dias à base de água. “O jejum me dá equilíbrio físico e mental.”
Guilherme Pupo e Patricia Stavis
SÓ ÁGUA 
O ator Licurgo Spinola e a professora de ioga Mariana Maya. Eles passam três dias apenas bebendo água para relaxar a mente 

Os benefícios da prática já são usados com fins medicinais. Na Alemanha, há pelo menos 11 clínicas que usam o jejum para tratar males que vão de doenças de pele a estresse. Uma das mais famosas fica na cidade de Bad Pyrmont e é mantida pela família do médico Otto Buchinger. Ele teria se curado de reumatismo em 1919 depois de manter uma dieta exclusivamente de sopas e tornou-se o guru do “jejum terapêutico”. “Enquanto jejua, o paciente melhora sua saúde, mas ele terá negligenciado a coisa mais importante se a fome de alimento espiritual, que se manifesta durante o jejum, não for satisfeita”, ele escreveu. Hoje, quem cuida da clínica, que recebe 1.500 pacientes por ano, é Andreas, neto de Buchinger. “O jejum aprimora o funcionamento do corpo”, diz ele. O tratamento completo dura 21 dias (para quem sofre de reumatismo são 28 dias). Quando o paciente chega, são feitos exames de sangue e eletrocardiograma. Depois, médicos preparam um cardápio personalizado. O primeiro dia costuma ser dos vegetais. No dia seguinte, é a vez das frutas, seguidas pelo dia do laxante. O jejum começa depois de os intestinos ficarem vazios. Daí para a frente, só se podem ingerir água, caldo de vegetais, suco e chá.
A ciência já se interessou pelas supostas propriedades curativas e purificadoras do jejum (leia o quadro abaixo). O neurocientista americano Mark Mattson, coordenador do Laboratório de Neurociências do Instituto Nacional de Envelhecimento, é uma das principais referências nessa área. Ele quer desvendar as razões de um fato conhecido há décadas pela ciência. Uma dieta com poucas calorias ou com jejuns periódicos (em que o paciente toma apenas água) parece aumentar em até 40% a duração da vida. Para Mattson, não há nada de estranho nisso. “O genoma humano adquiriu a capacidade de sobreviver a semanas sem comida porque nossos ancestrais primatas viviam em locais onde o alimento era escasso”, diz Mattson. “Nós nos damos ao luxo de fazer três refeições ao dia há menos de 10 mil anos, algo recente em termos evolutivos.”
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Em um de seus estudos mais famosos, publicado em 2003 no jornal da Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos, Mattson e sua equipe mostraram que ratos de laboratório submetidos a períodos regulares de jejum (comiam 10% menos do que os outros) eram mais saudáveis e se recuperavam melhor de danos no cérebro. Mattson acredita que o jejum tem um efeito protetor sobre as células. Primeiro, porque diminuir a ingestão de alimentos reduz a produção de moléculas residuais que podem se ligar ao DNA e causar erros de funcionamento (doenças). Outra hipótese para explicar o efeito protetor é a célula entrar em modo de emergência na falta de alimento. Ela se prepararia para situações adversas produzindo proteínas. “Essa defesa seria ativada em células do cérebro, do coração, dos músculos e do fígado”, diz ele.
Um grupo de pesquisadores do Instituto do Coração do Centro Médico Intermountain, em Utah, nos Estados Unidos, já teria constatado o reflexo desse efeito protetor sobre seres humanos. Em abril, eles apresentaram um estudo que sugere que jejuar pelo menos uma vez por mês diminui em 58% os riscos de doença nas artérias coronárias, que irrigam o coração. Segundo o cardiologista Benjamin D. Horne, responsável pelo levantamento, os efeitos são resultado da diminuição dos níveis de gordura no sangue. Ele diz acreditar que um dia o jejum periódico ainda será recomendado como tratamento para prevenir doenças coronarianas e o diabetes. Embora essas descobertas pareçam promissoras, ainda é cedo para partilhar o entusiasmo do pesquisador. A pesquisa foi feita com 200 voluntários, entre os quais 180 eram mórmons. Alguns dos preceitos da religião – abster-se de álcool e tabaco – poderiam ser os verdadeiros responsáveis pelos bons índices de saúde.
É necessário cautela com os novos estudos porque muitos outros, anteriores, já sugeriram que o jejum pode trazer riscos para a saúde, como hipoglicemia. Os níveis de glicose ficam tão baixos que ocorre tontura, dor de cabeça, desmaios e convulsões. Na falta de alimento, o organismo pode queimar músculos em busca de energia, o que ocasiona perdas musculares. “Se o jejum durar mais de 15 dias, pode causar queda de pressão e até alterar o ritmo cardíaco”, afirma o cardiologista Carlos Daniel Magnoni, da Sociedade Brasileira de Cardiologia. Interromper o jejum também é delicado. Ao deparar com uma quantidade de açúcar no sangue que não encontrava há tempo, o organismo pode liberar muita insulina, desencadeando uma crise de hipoglicemia. Além disso, a realimentação provoca grave queda na quantidade de cálcio e fósforo do sangue. “Isso pode levar até à morte”, diz o nutrólogo Celso Cukier, presidente da Sociedade Brasileira de Nutrição Clínica.
No Brasil, não há entidade médica que recomende jejum como dieta ou tratamento de doenças. “A ideia de purificação do organismo pela fome é errada”, diz Cukier. “Não precisamos de medidas drásticas porque já eliminamos os excessos no dia a dia.” Apesar das pesquisas que tentam explicar como o organismo reage à privação de alimentos – e como isso pode ser bom para a saúde –, ainda vai demorar anos para que a ciência chegue a alguma espécie de consenso. Por ora, prestar atenção às quantidades e à qualidade do que ingerimos parece ser a melhor maneira de manter o organismo em equilíbrio.